Unindo experiência pessoal e conhecimento jurídico, Anna Carolina responde dúvidas sobre os direitos de crianças com TEA e reforça a importância da informação.
Ser mãe atípica é enxergar o mundo por novas lentes, onde cada conquista exige luta e cada direito precisa ser defendido. A advogada Anna Carolina de A. Ferreira Lima, especializada em direito dos autistas, neurodivergentes e Direito de Família, vive essa realidade não só na profissão, mas dentro de casa, como mãe de uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA). “Trata-se de uma doação extrema e diária para se encaixar, compreender, acolher aquela pessoa que vive e enxerga o mundo de forma diferente, mas de forma tão linda e especial”, afirma.
O termo “mãe atípica” se refere a mulheres que criam filhos fora do desenvolvimento considerado típico, como é o caso de crianças autistas, com necessidades específicas de cuidado e inclusão. Mais que um rótulo, para Anna, é sinônimo de força e afeto. Na entrevista a seguir, ela esclareceu dúvidas sobre os direitos das pessoas com autismo e reforça: “Não importa o motivo — jamais negligencie os direitos do seu filho. Esses direitos pertencem a ele e precisam ser respeitados”. Confira:

Indo direto ao ponto, quais são os direitos das pessoas autistas?
A maioria das pessoas desconhece a enorme gama de direitos que os autistas têm no nosso ordenamento jurídico. Em linhas gerais, esses direitos abrangem áreas como educação, redução de jornada de trabalho para os autistas e seus genitores (na infância), descontos em passagens aéreas, saque do FGTS, garantia de emprego, direitos previdenciários e assistenciais, além de acesso à saúde (terapias, medicamentos, entre outros), tanto na rede pública quanto na privada.
2. Qual o maior desafio que as famílias atípicas enfrentam hoje no Brasil?
É difícil apontar um único maior desafio, pois as famílias atípicas enfrentam muitos obstáculos, até mesmo em atividades simples do dia a dia, principalmente devido ao preconceito e à desinformação da população — inclusive nas áreas de educação e saúde, que deveriam ser mais acolhedoras. O fato de as famílias atípicas muitas vezes desconhecerem seus direitos, ou se sentirem sem voz ativa na sociedade, limita o desenvolvimento e a qualidade de vida da pessoa autista — seja criança ou adulta — e também de todos ao seu redor.
O que toda mãe ou pai de autista precisa saber sobre seus direitos?
O mais importante é que vale a pena lutar pelos direitos dos autistas. É muito comum ouvirmos frases como “não adianta lutar contra o SUS”, “não adianta buscar o benefício do INSS”, ou “os processos demoram e os mais fracos sempre perdem”. Mas isso não é verdade! O Judiciário pode ser moroso, mas com assessoria jurídica correta e especializada, é possível garantir todos os direitos dos autistas, como terapias, acompanhamento por equipe multidisciplinar, medicamentos, acompanhante terapêutico (AT), benefícios assistenciais, prioridade em atendimentos, entre outros. Quanto mais ouvirem a nossa voz, mais barreiras venceremos — por eles e para eles.
Autismo tem lei específica? Qual é e como ela funciona?
Com a evolução do nosso ordenamento jurídico, diversas leis foram — e continuam sendo — criadas para garantir os direitos dos autistas. Algumas delas são:
A Lei Berenice Piana (12.764/2012), pioneira no tema, estabeleceu o direito ao diagnóstico precoce, tratamento adequado pelo SUS, acesso ao mercado de trabalho e equiparou o autista à pessoa com deficiência, para que fosse abrangido pelas proteções de outras leis.
A Lei Romeo Mion (13.977/2020) alterou trechos da Lei Berenice Piana, criando a CIPTEA (Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista).
Além disso, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) também se aplica para garantir os direitos dos autistas. Há ainda muitas outras leis municipais e estaduais, assim como projetos de lei importantes, como o PL 3717/2020, que busca eliminar o limite de idade para o acesso aos direitos dos autistas de forma definitiva.
Como garantir acesso à educação inclusiva de forma efetiva?
As instituições de ensino, públicas ou privadas, devem capacitar professores para desenvolverem estratégias de ensino que contemplem alunos autistas ou com outras neurodivergências (como TDAH, TOD etc.). Além disso, é fundamental promover a inclusão desses alunos com os demais.
É necessário criar ambientes acolhedores, oferecer apoio individualizado, desenvolver e valorizar as habilidades dessas crianças e adolescentes, e disponibilizar espaços onde possam se autorregular.
Embora todos esses sejam direitos já previstos em lei, sua implementação ainda está distante da realidade. A mudança depende da atuação das famílias atípicas e da sociedade como um todo, para que possamos, juntos, lutar verdadeiramente pelos direitos dessas crianças e adolescentes.
Quando é hora de procurar um advogado especializado?
Sempre! Um advogado especializado e conhecedor dos direitos dos autistas pode prestar a assessoria necessária em casos como negativa de terapias, solicitação de benefícios assistenciais, medicamentos, consultas médicas, discriminação, problemas em escolas públicas ou privadas, e questões trabalhistas, tanto do autista quanto da sua rede de apoio. São inúmeras situações que exigem conhecimento específico e constante atualização do profissional.
Quais são os direitos mais violados das pessoas com TEA?
Alguns dos direitos mais frequentemente violados são: acesso a terapias com equipes multidisciplinares; negativa de concessão de benefício assistencial na via administrativa; recusas por parte dos planos de saúde; exclusão ou mudanças que impedem a continuidade das terapias prescritas; e a falta de suporte nas escolas. Esses problemas persistem, pois nossa sociedade ainda carece de informação adequada para acolher corretamente essas pessoas e suas famílias.
Plano de saúde pode negar terapias? O que fazer nesses casos?
Não pode! Apesar de a Lei 9.656/1998 determinar que todos os transtornos e doenças listados na Classificação Internacional de Doenças (CID) têm cobertura obrigatória, a criação de leis posteriores, como a Lei Berenice Piana e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, garante o tratamento completo para pessoas com TEA.
Além disso, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar é apenas exemplificativo, ou seja, o plano de saúde não pode recusar terapias prescritas por um médico.
Se isso acontecer, procure um advogado especializado para garantir seus direitos, inclusive com liminar judicial, se necessário.
Existe apoio jurídico gratuito para famílias atípicas?
Sim. As famílias atípicas podem buscar orientação jurídica gratuita na Defensoria Pública da sua cidade. No entanto, como mencionado, o número de profissionais especializados nos direitos dos autistas ainda é pequeno. Por isso, recomendo procurar um advogado habilitado para esse tipo de demanda e expor, com sinceridade, a realidade financeira da família — buscando, assim, um acordo justo sobre honorários e formas de pagamento.
E pra fechar, qual mensagem você gostaria que toda família atípica ouvisse hoje?
Vocês não estão sozinhas! Eu e meu esposo também somos uma família atípica, e posso afirmar que ser mãe e/ou pai atípico é algo intenso e, muitas vezes, doloroso. Trata-se de uma doação extrema e diária para acolher e compreender alguém que vê o mundo de uma forma única — tão linda e especial.
Eles dependem de nós. Lutamos todos os dias para que desenvolvam suas capacidades e sejam respeitados pela sociedade. Mas jamais queremos que percam sua essência.
Não negligencie os direitos dos seus filhos, sejam quais forem. Lute por eles. Sempre.