O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) está em greve de fome na Câmara dos Deputados, prestes a ser cassado por quebra de decoro após expulsar, com chutes, um militante da direita que ofendeu sua mãe enquanto ela estava gravemente doente.
O que está em jogo, no entanto, é o quanto o Congresso tolera quem insiste em denunciar seus próprios mecanismos. Há 18 anos na Câmara, Glauber expõe acordos, nomes e estruturas. Agora, enfrenta um processo que diz menos sobre seu gesto e mais sobre o incômodo que provoca.
Na última quarta-feira 9, o Conselho de Ética decidiu pela cassação do deputado por 13 votos a 5. A acusação se baseia em um episódio ocorrido em abril de 2024, quando Glauber expulsou Gabriel Costenaro, militante do MBL (Movimento Brasil Livre), da Câmara com empurrões e chutes, reagindo a ofensas contra sua mãe.
Costenaro foi candidato derrotado a vereador pelo Partido Novo no Rio de Janeiro e atua com recorrência em provocações públicas a figuras da esquerda. Ele teria ofendido a mãe de Glauber, chamando-a de “corrupta”. Na época, Saudade Braga enfrentava Alzheimer avançado e morreria dias depois. Glauber relatou que não foi a primeira abordagem do militante, que já o havia perseguido em eventos no Rio de Janeiro e ameaçado pessoas próximas ao seu mandato.
Brizolista, a médica Saudade Braga foi prefeita de Nova Friburgo (RJ) por dois mandatos (2001–2008) e teve uma vida pública ativa, tornando-se a principal referência política de Glauber Braga. Criticado por sua reação durante a fase terminal da mãe, ele disse que agiu como filho, não como deputado — e que faria o mesmo, se a situação se repetisse.
A representação contra ele foi apresentada pelo Partido Novo. Arthur Lira (PP-AL), então presidente da Câmara, acatou o pedido de forma imediata. O relator escolhido foi Paulo Magalhães (PSD-BA), que seguiu o rito sem questionamentos.
Ironicamente, em 2001, Magalhães agrediu com socos e chutes o jornalista Maneca Muniz dentro da Câmara dos Deputados. O episódio ocorreu durante o lançamento de um livro com denúncias contra seu tio, o então senador Antônio Carlos Magalhães. A agressão foi pública e noticiada, com foto estampada na capa do jornal O Globo, em 5 de abril de 2001.
Magalhães nunca foi punido. Nenhum processo foi aberto no Conselho de Ética, e o caso foi esquecido.
O relatório de Magalhães acusa Glauber de reincidência em comportamentos agressivos. Pelo visto, não considera o histórico do próprio relator — e ignora também a conduta de outros parlamentares envolvidos em episódios mais graves.
É o caso de Éder Mauro (PL-PA), ex-delegado da Polícia Civil e deputado federal desde 2014. Em 2019, durante uma sessão no Congresso com a presença do então ministro da Justiça, Sergio Moro (União-PR), Glauber Braga o chamou de “capanga da milícia” por, segundo ele, blindar a família Bolsonaro.
A declaração gerou tumulto no plenário. Glauber e Éder Mauro discutiram de forma acalorada e quase chegaram as vias de fato, sendo contidos por outros parlamentares. Após o episódio, Glauber declarou à imprensa que Éder havia confessado assassinatos. Éder Mauro confirmou e disse que suas vítimas eram “todos bandidos”, referindo-se ao período em que atuava como delegado no Pará.
Nenhuma providência foi tomada pelo Conselho de Ética, e o ex-delegado segue blindado na Casa. Usa seu perfil nas redes sociais para debochar da greve de fome de Glauber.
Nos últimos dias, contudo, o PT intensificou a pressão contra Éder Mauro. O partido apresentou uma representação por quebra de decoro parlamentar, citando um episódio ocorrido em junho de 2024, na Comissão de Direitos Humanos.
Na ocasião, um militante gritou “Bolsonaro na Papuda” e foi agredido com tapas por um homem que se identificou como assessor do deputado. Segundo o documento, Éder Mauro também teria reagido com violência, “peitando” o manifestante com força e empurrões. Ambos precisaram ser contidos por agentes da Polícia Legislativa.
Além disso, o deputado Rogério Correia (PT-MG) relatou ter sido chutado por Éder Mauro ao tentar apartar uma confusão durante sessão do Conselho de Ética, em abril de 2024. Ele entregou laudo médico, fotos e vídeos como provas do ataque.
“É impossível não enxergar o tratamento desigual: parlamentares de esquerda são perseguidos, enquanto aliados do bolsonarismo seguem blindados”, declarou Correia.
Sâmia Bomfim (PSOL-SP), deputada federal e esposa de Glauber, destacou a desproporcionalidade do processo. Ela observa que, das 34 representações apresentadas ao Conselho de Ética nesta legislatura, apenas duas foram aceitas: a contra o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido), acusado de envolvimento no assassinato de Marielle Franco, e a de Glauber.
Para Sâmia, o contraste entre os dois casos evidencia o viés político da decisão. “O que fariam se estivessem com a sua mãe, poucos dias antes de ela falecer, sendo atacada e humilhada no seu ambiente de trabalho?”, questionou.
O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados tem tratado casos de quebra de decoro de forma desigual. O processo contra o deputado Delegado da Cunha (PP-SP), acusado de violência doméstica, foi arquivado. Já a denúncia contra a deputada Carla Zambelli (PL-SP), por perseguir um homem com uma arma, nem chegou a ser avaliada — a Mesa Diretora da Câmara não encaminhou o caso. No caso de Nikolas Ferreira (PL-MG), acusado de transfobia, o processo também foi arquivado, com a aplicação de uma censura escrita.
O caso de Glauber não é isolado. É a consolidação de um padrão. Parlamentares, principalmente os de esquerda, que rompem com a lógica de acordos tácitos e denunciam o funcionamento interno da Câmara são tratados como desestabilizadores.
Glauber denunciou o orçamento secreto. Levou o tema ao plenário, às redes e ao STF. Apontou beneficiários, cidades contempladas, deputados favorecidos. Repetiu, em microfone aberto, o nome de Arthur Lira.
A resposta veio por meio de um processo disciplinar. Glauber afirma que sua cassação é consequência direta das denúncias. Disse, em discurso recente, que “o relatório já estava comprado com dinheiro de emenda”. Lira nega.
“Qualquer insinuação da prática de irregularidades, descasada de elemento concreto de prova que a sustente, dará ensejo à adoção das medidas judiciais cabíveis”, disse o ex-presidente da Câmara, em nota enviada após entrevista de Braga à Agência Pública.
Esta não é a primeira ofensiva institucional contra o deputado: Glauber já enfrentou sete processos desde que chegou à Câmara — cinco no Conselho de Ética e dois no STF. Nenhum avançou até aqui, mas todos tiveram como pano de fundo embates políticos com o poder.
O PSOL irá recorrer à Comissão de Constituição e Justiça. Se o recurso for negado, o processo será votado em plenário. São necessários 257 votos para confirmar a cassação. Caso isso aconteça, Glauber se tornará inelegível.
A ex-senadora Heloísa Helena (Rede-RJ), suplente da federação PSOL/Rede, assumiria a vaga. Alagoana como Arthur Lira, tem um histórico de embates com a família do ex-presidente da Câmara.
Enquanto isso, o presidente Lula (PT) segue em silêncio.
Em 2021, Glauber desafiou o coro dos contentes que pregava uma frente ampla contra a reeleição de Jair Bolsonaro (PL) e colocou seu nome para disputar a Presidência. O PSOL, contudo, preferiu apoiar Lula.
Se Lula não se pronunciou, seus ministros visitaram Glauber e declararam solidariedade. A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, afirmou que Lula deveria se posicionar. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, disse que buscaria uma “saída negociada”, mas admitiu que ainda não havia tratado do assunto com o presidente.
Gleisi Hoffmann (PT-PR), ministra das Relações Institucionais, afirmou que não conversou com Lula e que o tema é “assunto interno da Câmara”. Reconheceu, no entanto, que a punição é desproporcional.
A avaliação informal é de que um posicionamento público do presidente poderia gerar atrito com o centrão — principalmente com o novo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB).
No campo institucional, o PSOL articula apoios. Sindicatos, movimentos sociais e parlamentares da base do governo se manifestaram. Suas colegas deputadas do PSOL, como Luiza Erundina, aos 90 anos, seguem firmes ao seu lado — assim como sua esposa, a deputada Sâmia Bomfim.
Com fome, mas de pé, Glauber segue no plenário como uma presença incômoda. Não se oferece como mártir, mas encarna um sinal corajoso de resistência. O que está em julgamento não é apenas sua conduta, mas o espaço permitido para o confronto. A cassação, se confirmada, será um recado: até onde pode ir quem não joga o jogo.
Fonte ==> Casa Branca