Nos últimos meses, a inflação de alimentos registrou aumentos superiores à inflação geral, levando os brasileiros a adaptarem hábitos de consumo, conforme apontou pesquisa recente do Datafolha.
Os índices de vendas no varejo, contudo, não indicaram queda na demanda por alimentos, tampouco houve ampliação da população em situação de insuficiência alimentar. Para entender essa aparente contradição, é necessário analisar não somente o preço dos alimentos, mas outro fator central por trás do poder de compra da população: seus rendimentos.
Os motivos por trás da alta da inflação dos alimentos têm sido amplamente debatidos. Para além da volatilidade, observou-se elevação dos preços especialmente no período pós-pandemia. Em 2024, diversos fatores —quebras de safras devido a eventos climáticos adversos; depreciação cambial, que elevou custos de insumos importados e estimulou exportações; sazonalidade de produtos específicos; ajustes no ciclo pecuário; demanda aquecida— explicam a pressão inflacionária sobre os alimentos.
Enquanto a inflação de alimentos dominou o debate, pouco se discutiu sobre a evolução dos rendimentos das famílias, elemento crucial para dimensionar o real impacto da alta de preços na vida das pessoas.
Vale ressaltar que, mesmo com os preços em alta, não se observa uma redução no consumo de alimentos de maneira generalizada.
No último dia 8 de maio, o IBGE divulgou a Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar Contínua (PNADC) e trouxe a atualização do indicador de renda domiciliar per capita (RDPC), que agrega todas as fontes de rendimento (trabalho, aposentadorias, pensões, programas sociais, aluguéis etc.) e divide pelo número de pessoas do domicílio.
Trata-se da métrica mais abrangente para se mensurar a renda das famílias. Nos últimos três anos, a RDPC cresceu sistematicamente acima do índice geral de inflação e superou também a inflação de alimentos. Em 2024, enquanto o preço dos alimentos subiu 8%, a renda das famílias cresceu 10%, sendo que o acréscimo da renda dos mais pobres foi de quase 19%. Essa trajetória indica que o poder de compra das famílias seguiu em expansão, mesmo destinando fatia maior do orçamento aos alimentos.
Ao combinar os resultados da PNADC com os obtidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC/IBGE), percebemos que, a partir de 2023, os aumentos acumulados de renda superaram o dos preços e ampliaram essa magnitude no ano seguinte. Desde meados de 2022, os brasileiros passaram a contar com uma renda mais elevada, notadamente do trabalho e de programas sociais robustecidos —beneficiando, em especial, a população de menor renda.
Como resultado, milhões de pessoas saíram da insegurança alimentar e retomaram o consumo regular de alimentos, tendência confirmada pelos dados mais recentes. O Relatório das Nações Unidas sobre o Estado de Insegurança Alimentar no Mundo (Sofi 2024) indica que o número de brasileiros em situação de fome caiu 85% em um único ano, recuando de 17,2 milhões para 2,5 milhões de residentes.
Hoje, temos mais empregos, mais pessoas incluídas nos programas de proteção social e, em ambas as situações, com maiores rendimentos reais. No biênio 2023-24, o PIB brasileiro acumulou alta de 6,7% em termos reais, o emprego formal e informal avançou e a taxa de desemprego registrou mínimo histórico. O salário mínimo foi reajustado acima da inflação, elevando o piso de aposentadorias e benefícios como o BPC. O Bolsa Família reformulado passou a destinar mais recursos à população mais carente. Há, portanto, mais pessoas se alimentando, apesar do aumento de preços dos alimentos.
A combinação entre fortalecimento da renda do trabalho, reestruturação de programas sociais e retomada da política de valorização do salário mínimo explicam a trajetória do consumo e do combate à fome no país. Em que pese a inflação de alimentos, mais pessoas tiveram acesso à alimentação adequada e menos enfrentaram a fome —um avanço que precisa ser mantido nos próximos anos.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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Fonte ==> Folha SP