Lideranças regionais são useiras e vezeiras em justificar candidaturas de cidades para megaeventos, como a COP30 em Belém, com supostos ganhos urbanísticos e sociais para a população —trata-se do benfazejo “legado”, que no caso da capital paraense se materializaria, por exemplo, na melhora do saneamento básico.
A cinco meses da conferência do clima, torna-se claro que o saldo será pouco significativo. Verdade que a metrópole amazônica parte de base muito deficiente, com mais de 80% de moradores sem acesso à coleta de esgotos, melhor indicador do descalabro brasileiro em requisito óbvio da dignidade humana.
O governo de Helder Barbalho (MDB) alardeia que obras em andamento favorecerão 500 mil pessoas numa população de 1,3 milhão. Não será bem assim, como mostrou reportagem da Folha em visita aos bairros da sede da reunião internacional contemplados nos planos.
De partida, há que assinalar o fato de a expansão prevista do esgotamento sanitário na COP30 alcançar 40 mil habitantes, com 10 mil novas ligações às redes de coleta. Seria preciso incorporar uma legião de 1 milhão de belenenses ao serviço, até 2033, para cumprir a meta de universalização do saneamento, com 90% da população atendida.
O estado do Pará investe meros R$ 22 per capita por ano em saneamento. Segundo estimativa do Instituto Trata Brasil, seriam necessários R$ 231 anuais por habitante para cumprir a meta do Marco Legal do Saneamento. A média nacional claudica em R$ 111 por brasileiro.
A COP30 agregou R$ 1 bilhão para investimentos em Belém, divididos entre BNDES (reforma de 12 canais de esgotos a céu aberto) e Itaipu Binacional (um canal). A escolha recaiu sobre veios centrais degradados por falta de manutenção. Para o urbanista Juliano Pamplona Ximenes Ponte, da Universidade Federal do Pará, tais intervenções beneficiam principalmente áreas que já têm boa infraestrutura.
As obras incluem ainda recuperação e ampliação do setor viário, com vistas a melhorar o trânsito usualmente caótico da capital e prevenir enchentes. Os R$ 170 milhões de Itaipu se destinam ao Parque Urbano São Joaquim, trecho de 720 m do canal de mesmo nome, que tem outros 8 km por sanear.
A empresa Aegea obteve em abril a concessão parcial dos serviços da Companhia de Saneamento do Pará em 99 municípios, entre eles 25 da região metropolitana de Belém. Pagou R$ 1,4 bilhão e promete investir R$ 15,2 bilhões para a universalização.
A iniciativa privada, porém, só assume o serviço no fim do ano, depois da COP30. Terá muito trabalho pela frente. O resgate colossal dívida sanitária do Brasil —neste caso, do Pará— só se realizará assim, com planejamento do poder público e concessão do saneamento a setores com capacidade de bancar o aporte que o Estado negligenciou.
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Fonte ==> Folha SP