As confissões de Simone de Beauvoir, em “Memórias de uma Moça Bem-comportada”, foram a epígrafe do memorial que escrevi para me tornar professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no dia 8 de maio de 2015.
O propósito das 60 páginas do meu memorial foi revelar que não existe ruptura entre a minha vida e as minhas pesquisas antropológicas. Não pretendi escrever minhas memórias nem uma autobiografia, até porque não consigo me lembrar dos traumas e das violências físicas, verbais e psicológicas que sofri na infância. Não procurei fazer uma “antropologia de mim mesma”.
Apenas busquei mostrar como a antropologia tem sido, desde 1988, quando ingressei no doutorado em antropologia social no Museu Nacional, uma ferramenta essencial para a compreensão dos meus medos, inseguranças e vergonhas por “ser diferente”. E, mais ainda, como ela é um poderoso instrumento de autoconhecimento, que me ajudou a transformar a tristeza em beleza, o sofrimento em propósito e o medo em coragem.
O memorial acabou se tornando uma obra tirada da minha história, justificando minha existência e demonstrando como, interessando-me por mim e pelos outros, acabei me tornando professora, pesquisadora, escritora e uma antropóloga malcomportada.
Nos meses em que escrevi o memorial, imaginei que, se algum dia publicasse um livro contando minha trajetória, o título seria “Memórias de uma Antropóloga Malcomportada”.
Quase mudei o título do livro quando o antropólogo Roberto DaMatta, na minha progressão para professora titular da UFRJ, afirmou que meu memorial era uma espécie de “confissões de uma antropóloga”.
“Quando li seu memorial, lembrei-me de que Lévi-Strauss disse que Rousseau é o fundador das ciências humanas porque escreveu ‘As Confissões’. Todo antropólogo tem um toque confessional, acho que esse toque caracteriza o seu trabalho como um todo, esse tom de absoluta franqueza me surpreendeu muito. Texto acadêmico em geral se escreve com muletas. Você não escreve com muletas, é a Mirian falando. Tem uma riqueza nesse despojamento que é você. É um prazer ler o que você escreve, essa coisa natural. E você tem a coragem de fazer isso.”
No memorial, confessei que queria ser “meio Leila Diniz” e “meio Simone de Beauvoir”; uma combinação das duas mulheres que mais influenciaram minhas escolhas existenciais. Mas as palavras de DaMatta me incentivaram a ter a coragem de ser, cada vez mais, Mirian Goldenberg, uma antropóloga malcomportada.
“Você tem uma coisa que muitos não tiveram na antropologia: sucesso! Nem todo mundo tem uma obra de sucesso. Você tem um sucesso enorme, é uma exceção. Continue sendo o que você tem sido. Seja escritora. Continue sendo 100% Mirian Goldenberg. É muito melhor!”
No dia 5 de junho, quinta-feira, às 19 h, na livraria da Travessa do Shopping Iguatemi (av. Brig. Faria Lima, 2232), vou lançar meu livro “Memórias de uma Antropóloga Malcomportada” com um conversa gostosa com Jairo Marques e participações de Ângela Dippe, Claudia Arruga, Claudia Liz, Silvia Poppovic, Sidnei Mori e Nobolo Mori, de 101 anos. Quero comemorar com vocês, meus leitores e leitoras, meus 15 anos como colunista da Folha e os 104 anos do jornal. Será uma grande alegria ganhar um abraço carinhoso de vocês nesse dia tão especial. Vai ser lindo!
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Fonte ==> Folha SP