Quando o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), declara à Folha que é “questão de interpretação” chamar de ditadura militar o revezamento de generais no comando do país entre 1964 e 1985, a menos ruim das hipóteses é que ele busca herdar votos a Jair Bolsonaro (PL), apologista daquele período, em uma eventual candidatura à Presidência.
Pior seria se Zema de fato acreditasse na estultice de que um regime desse naipe, que cassou, torturou e matou oposicionistas e críticos, não deva ser qualificado como autoritário.
Sem ter chegado a absurdos desse calibre, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), depôs como testemunha de defesa no processo em que Bolsonaro é acusado de ter tramado um golpe de Estado em 2022. Não apenas Tarcísio negou ter ouvido do ex-presidente qualquer plano nesse sentido, o que em tese é plausível, como elogiou sua passagem pelo Planalto.
Os dois governadores são potenciais postulantes ao cargo no próximo ano, bem como os de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSD). Todos buscam os votos à direita, aliás abundantes em seus estados, embora com a preocupação de não espantar eleitores mais moderados.
Nenhum deles reproduz, na prática política, o pior do bolsonarismo —isto é, a hostilidade às instituições democráticas e a intolerância com a divergência. Entretanto o cortejo ostensivo a Bolsonaro, do qual apenas Leite não participa, tem consequências que podem não se limitar a um discurso pernicioso.
Um exemplo imediato é o apoio conjunto anunciado por Tarcísio, Zema, Caiado e Ratinho à anistia para os condenados pelos ataques às sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023. Essa posição naturalmente evoluirá para compromissos de perdão a Bolsonaro, como o já assumido por Zema, em caso nada improvável de condenação por golpismo pelo Supremo Tribunal Federal.
Mesmo já tornado inelegível, o ex-presidente indica que manterá enquanto for possível a intenção declarada de participar da próxima disputa presidencial, como fez Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2018 —e todos os que desejarem seu endosso precisarão coonestar a farsa até o fim.
O bolsonarismo decerto vive dias difíceis com o julgamento de seu líder no Supremo —além de episódios laterais como a fuga da deputada condenada Carla Zambelli (PL-SP) para a Itália. Ainda dispõe, porém, de vasto capital eleitoral, reforçado pela baixa popularidade de Lula, que lhe permite manter a influência nos rumos da direita do país.
Já é ruim o bastante seus possíveis herdeiros abraçarem, em nome da ideologia, políticas equivocadas. Que ao menos as lideranças conservadoras mostrem disposição e capacidade de expurgar pendores à arruaça e ao autoritarismo das franjas radicais insufladas por Bolsonaro.
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Fonte ==> Folha SP