O Brasil está diante do maior desafio fiscal de sua história. A reforma tributária do consumo, que caminha para os passos finais de sua regulamentação no Congresso Nacional, é um divisor de águas na trajetória federativa brasileira.
Um projeto elaborado em conjunto pelos estados e municípios, com o apoio de várias cabeças, à base de consensos e de muito diálogo. O texto final é fruto, também, de debates travados entre os diferentes setores da sociedade e das divergências técnicas e políticas naturais em uma democracia.
Foi a reforma tributária possível num país onde quase a unanimidade chamava de impossível a aprovação do projeto. Porque não se trata apenas de uma reestruturação técnica dos tributos. É, sobretudo, uma mudança de paradigma. A reforma tributária representa um redesenho estratégico do modelo de desenvolvimento nacional, rompendo com décadas de guerra fiscal, assimetrias regionais e uma complexidade que, por muito tempo, penalizou a competitividade e a eficiência na alocação dos recursos públicos.
No entanto, é imprescindível reconhecer que, junto às oportunidades, surgem também desafios concretos e significativos.
Estamos diante de uma equação complexa, que exige equilíbrio, sensibilidade política e clareza técnica. Estados cuja economia é mais dependente de setores específicos estão naturalmente mais expostos a riscos. As incertezas quanto ao comportamento da arrecadação durante e após o período de transição justificam nosso foco redobrado. Também por isso, alternativas para mitigar essas adversidades devem estar entre as prioridades da reforma. A criação do seguro receita, já a partir do primeiro ano da transição federativa, é uma delas.
Daí a importância também de acompanharmos com a devida atenção o funcionamento dos fundos de desenvolvimento e os de compensação criados pela Emenda Constitucional 132/2023. Ao FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional) somam-se o FCBF (Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais), o Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas e o Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental e do Amapá. Cada qual com suas singularidades, seja voltado a promover uma transição equilibrada, caso do FCBF, seja o de não esgarçar as atuais desigualdades regionais, caso dos demais fundos.
Acompanhamos com igual expectativa a tramitação do PLP 108/2024, especialmente no que se refere ao período de transição de distribuição do IBS, entre 2029 e 2077, levando em conta a média de arrecadação dos estados no período de 2019 a 2026. Uma medida que visa reduzir impactos nas finanças dos entes, mantendo os recursos e mitigando perdas, numa transição lenta e que não coloque em risco os serviços públicos dos entes subnacionais.
FolhaJus
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Entre as novas regras do sistema tributário nacional, outro aspecto da reforma tributária vai merecer muito da nossa atenção nos próximos anos: o Comitê Gestor do IBS, uma entidade pública absolutamente inédita e com papel estratégico para o desenvolvimento da economia do país.
Como se sabe, o Imposto sobre Bens e Serviços vai unificar o ICMS (estadual), o ISS (municipal) e terá competência compartilhada entre estados e municípios. A reforma prevê um prazo de sete anos, até 2033, para a transição total do IBS.
Será a primeira experiência orgânica da nossa República Federativa em que estados e municípios atuarão juntos, compartilhando técnicas, informações e know how.
A estimativa é que o Comitê Gestor movimente mais de R$ 1 trilhão por ano. Será o tributo com a maior arrecadação do país.
Os entes subnacionais estão cientes de tamanha responsabilidade. Pela nova legislação, o Comitê Gestor terá 54 assentos, sendo 27 para os estados e 27 para a representação dos municípios. A presidência será rotativa e obedecendo ao critério da alternância entre estados e municípios. O Comitê foi instalado em 16 de maio, cumprindo o prazo regimental, e já conta com as indicações estaduais, incluindo titulares e suplentes. Os municípios enviarão os nomes dos representantes assim que convergirem sobre os critérios eleitorais, o que deve ocorrer em breve.
Desde o início do processo de elaboração da reforma tributária, os entes subnacionais assumiram o compromisso de trabalhar em favor do país.
As decisões para iniciar a transição a partir de 2026 já começaram a ser tomadas neste ano. Para tanto, estados e municípios formalizaram, por meio de um acordo de cooperação técnica, a criação de um Pré-Comitê Gestor.
Esse colegiado vem atuando de forma incansável com extrema dedicação de secretários das Fazendas estaduais e municipais, além dos técnicos das administrações tributárias subnacionais.
São mais de 1.000 gestores e profissionais técnicos divididos em Grupos de Coordenação Estratégica; Técnica Normativo; Técnica Operacional, Técnica Financeiro; 8 Grupos de Trabalho; 36 SubGTs, Secretaria Geral e Escritório de Projetos.
Sem alarde e holofotes, estamos assistindo uma demonstração inequívoca de comprometimento com o Brasil.
O Comitê Gestor terá a função técnica de coordenar e orientar as administrações tributárias. Importante ressaltar também que não haverá sobreposição de papeis com as Fazendas estaduais e municipais, por exemplo. O Comitê atuará na orientação e nas diretrizes. É objeto dele também buscar a harmonia num espaço colegiado de cooperação e respeito à autonomia federativa. Outras finalidades do Comitê Gestor são:
- Editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto;
- Arrecadar o imposto, efetuar as compensações, realizar as retenções previstas na legislação específica e distribuir o produto da arrecadação aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios;
- Decidir o contencioso administrativo;
- Atuar, juntamente com o Poder Executivo federal, com vistas a harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos relativos às regras comuns aplicáveis ao IBS e à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS);
- Exercer a gestão compartilhada, em conjunto com a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, do sistema de registro do início e do resultado das fiscalizações do IBS e da CBS;
- Disciplinar a aplicação padronizada de regimes especiais de fiscalização;
- Coordenar, com vistas à integração entre os entes federativos, no âmbito de suas competências, as atividades de fiscalização, cobrança judicial e inscrição em dívida ativa;
- Coordenar, em âmbito administrativo e judicial, a adoção dos métodos de solução adequada de conflitos relacionados ao IBS entre os entes federativos e os sujeitos passivos;
- Nos casos de conflitos entre dois ou mais entes federativos, disciplinar a forma de organização e gestão dos trabalhos, o rateio dos custos e a distribuição do produto da arrecadação;
- Elaborar a metodologia e o cálculo da alíquota de referência e dos regimes específicos, junto com à Receita Federal.
Espinha dorsal da reforma tributária, o Comitê Gestor do IBS não é somente uma grande novidade no seio do sistema tributário brasileiro que está por nascer: é um novo modelo de administrar a arrecadação do principal imposto de estados e municípios —e do país.
Uma oportunidade também para o Brasil debater, de forma séria e sem preconceitos, o papel dos impostos e tributos na sociedade, e o que esses recursos podem gerar de políticas públicas para melhorar a vida das pessoas que mais precisam.
É com esse empenho e espírito de cooperação que o Comsefaz (Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal), entidade que tenho a honra de presidir, tem trabalhado diuturnamente.
Afinal, mudar para melhor a vida dos brasileiros é o objetivo final a ser alcançado.
Fonte ==> Folha SP