A disputa pelo controle dos minerais críticos no Brasil, especialmente as chamadas terras raras, tornou-se palco de uma guerra de narrativas entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os Estados Unidos. Enquanto Washington se apresenta como parceiro estratégico para enfrentar a dependência global da China, o Palácio do Planalto reage com um discurso de soberania e nacionalismo econômico, rejeitando qualquer insinuação de tutela externa sobre os recursos naturais brasileiros.
Essenciais para o desenvolvimento de tecnologias avançadas, os minerais classificados como terras raras desempenham papel central na fabricação de turbinas eólicas, veículos elétricos, mísseis, painéis solares e equipamentos médicos. O grupo é composto por 17 elementos químicos, incluindo escândio, ítrio e os 15 lantanídeos — como lantânio, cério, neodímio, disprósio e érbio, entre outros. Considerados ativos estratégicos por diversas nações, esses elementos são dominados pela China, que lidera amplamente a produção global e o refino desses minerais,
“Temos todo o nosso ouro para proteger. Temos todos os minerais ricos que vocês querem para proteger. E aqui ninguém põe a mão. Este país é do povo brasileiro”, afirmou Lula durante evento do governo federal na cidade de Minas Novas (MG), ao se referir aos interesses estrangeiros.
A fala ocorreu em meio à movimentação de câmaras americanas de comércio, que apresentaram ao governo uma proposta de cooperação bilateral para extração e beneficiamento de minerais estratégicos. Do lado norte-americano, o movimento tem respaldo direto do governo de Donald Trump, que voltou a demonstrar interesse em garantir acesso aos recursos minerais brasileiros diante da crescente tensão com a China.
Nesta semana, o encarregado de negócios da embaixada dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, reuniu-se com representantes do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) para reiterar o desejo de aprofundar o diálogo sobre o tema. Mas, apesar da retórica acentuada de ambos os lados, nem Brasil nem Estados Unidos apresentaram até agora um plano concreto de industrialização ou processamento conjunto desses recursos.
Na prática, o Brasil segue como potência mineral inexplorada: detém algumas das maiores reservas do mundo, mas carece de tecnologia, infraestrutura e incentivos para transformar esse potencial em desenvolvimento tecnológico e autonomia produtiva. O impasse atual revela não apenas o embate entre duas narrativas — soberania nacional versus parceria estratégica —, mas também a incapacidade crônica do país de deixar de ser apenas um exportador de matéria-prima.
Na avaliação do deputado federal Filipe Barros, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados (CREDN), a suposta defesa da soberania nacional feita por Lula não condiz com o comportamento do governo brasileiro em relação à China.
“Lula mostra de novo sua absoluta hipocrisia ao supostamente defender os minerais raros do Brasil. Digo isso porque, poucos meses atrás, seu governo fez vista grossa para a compra da mineradora Taboca por uma estatal chinesa – caso que, por envolver urânio e outros materiais como nióbio, denunciei na ocasião e sigo vasculhando pormenores oficiais a respeito”, afirmou o parlamentar.
E acrescentou: “Em momentos como esse, vemos que a “soberania” deles não passa de só mais um chavão publicitário nas campanhas do Sidônio [chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República]”.
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EUA e Brasil não têm plano concreto para exploração de terras raras
O pesquisador Nélio Reis, membro do Think Tank Iniciativa Dex e autor do livro “Terras Raras, Poder e Independência” (Ed. UICLAP, 2025), afirma que tanto os Estados Unidos quanto o Brasil ainda não apresentaram um plano concreto para transformar o potencial mineral em desenvolvimento tecnológico. “O mundo não respeita quem tem o minério, respeita quem tem a tecnologia”, resume.
O governo americano vem manobrando há alguns anos para não ser dependente da China na compra de terras raras. O governo do democrata Joe Biden aprovou uma lei que injeta bilhões de dólares no setor e agora Trump tenta garantir acesso ao mineral em diversos países. O acordo mais notório foi fechado com a Ucrânia. Washington e Kyiv criaram um fundo conjunto para explorar os recursos do subsolo do país. Em troca, os Estados Unidos concordaram em continuar enviando ajuda militar à Ucrânia.
Segundo Reis, o acordo é mais simbólico do que prático porque rendeu uma vitória política imediata para Trump, que conseguiu vincular a ajuda militar americana a uma compensação financeira futura. O presidente Volodymyr Zelensky conseguiu aproximar seu país de Trump e manter o fluxo de armamentos sem ter que tomar medidas imediatas para viabilizar a produção, que por ora existe mais em potencial do que na prática.
“A Ucrânia está literalmente em guerra. Não há infraestrutura, nem segurança, nem capital privado disponível para montar plantas de separação e metalurgia”, explica. “Foi um gesto geopolítico, uma vitória de narrativa para os Estados Unidos e para o governo ucraniano.”
O acordo dos EUA com a Ucrânia tem semelhanças com o caso brasileiro na medida em que a exploração de terras raras existe mais em potencial do que na prática. “A diferença é que o Brasil não está em guerra. A gente ainda tem estabilidade política relativa, jazidas, potencial geológico já mapeado”, afirma.
No entanto, ele aponta a ausência de políticas públicas estruturadas: “Não temos ainda refinarias, política industrial ativa, incentivos fiscais, nem segurança jurídica para atrair grandes players.”
Para o pesquisador, o que se vê é uma disputa simbólica, sem resultados concretos. “A narrativa anda mais rápido que os investimentos”, critica. “Nem o governo brasileiro, nem os Estados Unidos apresentaram até agora um plano integrado de produção, refino, uso das terras raras brasileiras.”
Ele defende um acordo transparente, com cláusulas de royalties, geração de empregos e formação de polos industriais. “Na prática, estamos assistindo a um cabo de guerra simbólico, onde cada lado tenta marcar posição ideológica ou eleitoral, mas sem resolver o básico: transformar minério em tecnologia.”
Brasil enfrenta entraves estruturais na produção de minerais críticos
O grande desafio do Brasil no campo dos minerais críticos não está apenas na extração ou exportação, mas principalmente na incapacidade de processar e refinar esses insumos em solo nacional. Embora detenha algumas das maiores reservas globais desses recursos, o país ainda atua como mero fornecedor de matéria-prima, deixando que o valor agregado e a tecnologia fiquem nas mãos de nações industrializadas.
Devido ao interesse crescente dos Estados Unidos, o governo Lula estuda lançar uma política nacional para minerais críticos. Em abril, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, chegou a anunciar que o lançamento dessa medida poderia ocorrer no ano que vem. O objetivo seria desenvolver a cadeia de minerais estratégicos para projetar o Brasil como um grande fornecedor de materiais e componentes industriais.
Dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) revelam o potencial das reservas brasileiras. O caso mais emblemático é o do nióbio: o Brasil concentra 16 milhões de toneladas das 17 milhões de toneladas existentes no mundo (94%) e também lidera a produção global, com 75 mil toneladas extraídas no país, o que representa 90% da produção mundial.
Nos demais minerais, o cenário é de subaproveitamento. A grafita, por exemplo, tem 74 milhões de toneladas em reservas no Brasil, frente a 280 milhões de toneladas no mundo (26%), mas o país produz apenas 73 mil toneladas, o que equivale a 5% da produção global.
Em terras raras, o Brasil possui 21 milhões de toneladas das 110 milhões existentes mundialmente (19%), mas sua produção é de apenas 80 toneladas, frente a 350 mil toneladas no mundo — uma participação praticamente nula.
O manganês segue a mesma lógica: com 270 milhões de toneladas em reservas (14% do total mundial), o Brasil produz 620 mil toneladas, enquanto o mundo extrai 20 milhões de toneladas – uma participação de apenas 3%. No caso do níquel, o país possui 1,6 milhão de toneladas em reservas (12%) e produz 89 mil toneladas, frente a 3,6 milhões de toneladas mundialmente (3%).
O alumínio (bauxita) apresenta um cenário mais equilibrado: o Brasil tem 2,7 milhões de toneladas em reservas (9%) e produz 3,1 milhões de toneladas, o que representa 8% da produção global, estimada em 40 milhões de toneladas.
O lítio também mostra potencial: com 1,37 milhão de toneladas em reservas (5%), o Brasil produz 49 mil toneladas, frente a 1,8 milhão de toneladas no mundo (3%).
O cobalto é um caso interessante: o Brasil possui apenas 70 mil toneladas em reservas (1%), mas produz 23 mil toneladas, o que representa 10% da produção mundial, estimada em 230 mil toneladas. Já o cobre, com 11,2 milhões de toneladas em reservas (1%), tem produção de 320 mil toneladas, frente a 22 milhões de toneladas mundialmente (2%).
O vanádio, com 120 mil toneladas em reservas (0,5%), não apresenta dados relevantes de produção. E o silício (quartzo), embora sem dados disponíveis sobre reservas, tem produção brasileira de 390 mil toneladas, o que representa 9,4% da produção mundial, estimada em 4 milhões de toneladas.
EUA busca Brasil para diminuir dependência da China
O interesse dos Estados Unidos nas terras raras brasileiras faz parte de uma estratégia mais ampla para reduzir a dependência da China, que domina cerca de 90% da cadeia global de processamento desses minerais. Em 2024, segundo dados do Serviço Geológico dos Estados Unidos, os americanos tiveram que recorrer à China, Malásia, Japão e Estônia para atender a 80% das suas necessidades desses elementos químicos.
Desde o primeiro governo de Donald Trump, Washington passou a tratar o tema como prioridade geopolítica. Em 2020, Trump assinou uma ordem executiva declarando emergência nacional no setor de minerais críticos, com o objetivo explícito de cortar a dependência da China. O documento afirmava que os Estados Unidos deveriam garantir fontes alternativas desses recursos para proteger sua indústria e sua autonomia tecnológica.
Na época, a Amcham Brasil e a Câmara de Comércio dos EUA formularam a “Proposta de Cooperação Brasil-Estados Unidos em Minerais Críticos” com o objetivo de criar diretrizes para ações conjuntas entre os países. O documento propõe cinco ações: Plano de Ação para o Diálogo sobre Minerais Estratégicos, Mapeamento Geológico, Financiamento e Garantias para Projetos, Parceria para o Desenvolvimento Produtivo e Tecnológico, e Engajamento Comunitário Local e Sustentabilidade Ambiental.
A guerra na Ucrânia, iniciada em 2022, e o acirramento das tensões com Pequim apenas reforçaram essa diretriz. No início do ano, Trump fechou um acordo para que o país do leste europeu forneça aos americanos as chamadas terras raras, como uma “equalização” para os “cerca de US$ 300 bilhões” de apoio americano na guerra ucraniana contra a Rússia.
No caso brasileiro, o potencial é significativo: estima-se que o país tenha a terceira maior reserva de terras raras do mundo. No entanto, ainda enfrenta gargalos tecnológicos para a extração, separação e beneficiamento desses minérios em larga escala. A cooperação com os Estados Unidos, na visão de Washington, seria uma via de acelerar o desenvolvimento dessa cadeia produtiva no país, ao mesmo tempo em que garantiria abastecimento estável para o mercado americano.
Fonte ==> Gazeta