Os cassinos foram proibidos no Brasil por um decreto-lei em 1946, pelo então presidente Eurico Dutra, mas nem por isso o jogo deixou de acontecer.
Não sei se vocês já ouviram histórias de famílias que saíram de férias e, de repente, precisaram interrompê-las. Um amigo meu me contou a história dos avós dele: eles saíram de férias e, depois de alguns dias, o avô pediu à esposa que fizesse as malas, pois precisavam voltar para casa. A esposa perguntou o que havia acontecido, e o marido disse que tinha sido chamado por conta de uma emergência no trabalho. Algum tempo depois, ela descobriu que ele havia perdido uma fortuna em jogos e, para quitar a dívida, precisou vender um imóvel. Não tinha sido a primeira vez. Essa é uma das muitas histórias anedóticas que mostram como o vício em jogos pode destruir patrimônios, pessoas e famílias.
Desde 2018, os jogos online, de apostas esportivas a jogos de caça-níquel, como o “jogo do tigrinho“, tornaram-se muito mais acessíveis. Qualquer pessoa pode jogar pelo celular ou computador. Infelizmente, pessoas cada vez mais jovens têm acesso a esses jogos. O perigo não está na rua ou nas tentações dos cassinos, e sim dentro de casa.
Segundo o relatório Estudos Especiais do Banco Central, o perfil dos apostadores em plataformas online é majoritariamente composto por pessoas entre 20 e 30 anos de idade. A média de gastos mensal via transferências é de R$ 100 entre os apostadores com até 30 anos, mas ultrapassa R$ 3.000 entre os mais velhos, ou seja, o problema vira uma bola de neve.
Os efeitos dos jogos online impactam a vida das pessoas de diversas formas, para além da financeira. De acordo com a literatura empírica, o vício em jogos pode afetar a saúde, o comportamento e as relações pessoais, assim como a performance no trabalho, levando algumas pessoas à perda do emprego. O artigo Gambling away stability: Sports betting’s impact on vulnerable households (Estabilidade perdida nas apostas: o impacto das apostas esportivas nas famílias vulneráveis), de autoria de Baker S. R., Balthrop J., Johnson M. J., Kotter J. D. e Pisciotta, publicado pelo National Bureau of Economic Research em novembro de 2024, apresenta evidências, nos Estados Unidos, sobre os efeitos negativos das apostas online na poupança das famílias, especialmente das mais vulneráveis.
Os autores analisam dados de 230 mil famílias americanas entre 2018 e 2023. O estudo mostra que o crescimento das apostas online não substitui outras formas de jogo ou consumo, mas é ajustado via redução da poupança com potenciais repercussões de longo prazo. Essa redução ocorre quando os indivíduos substituem investimentos com valor esperado positivo por apostas de risco, ou seja, deixam de aplicar seus recursos em investimentos que, em média, tendem a gerar retorno positivo, para apostar.
Essa é a receita para o desastre financeiro. A poupança, afinal, pode ser destinada a investimentos produtivos, como a abertura de novos negócios, o custeio de estudos universitários ou aposentadoria. O título de um relatório publicado pelo parlamento australiano em 2023 sobre apostas resume bem essa lógica: “You win some, but lose more” (tradução livre: “Você ganha às vezes, mas perde mais”).
Esse tipo de mensagem deveria estar presente em todos os comerciais de apostas. O governo australiano, em 2017, regulamentou os comerciais de apostas online na televisão e no rádio, definindo horários específicos e proibindo a veiculação dessas propagandas durante programas infantis.
No Brasil, o Senado aprovou, no dia 28 de maio deste ano, uma lei que regula a participação de pessoas famosas em propagandas de casas de aposta (bets). É um começo, mas ainda precisamos avançar, pois, além da perda financeira, o vício em jogos tem um efeito devastador na vida das pessoas e seus familiares. É fundamental investir em educação financeira e ampliar a regulação para proteger a população contra o vício em apostas online.
Fonte ==> Folha SP