Uma pesquisa do Ministério da Saúde divulgada no final de abril trouxe um sinal de alerta: o número de fumantes no Brasil registrou aumento no ano passado pela primeira vez desde 2007. O dado chama a atenção justamente porque o país já foi reconhecido globalmente por suas políticas antitabagistas bem-sucedidas, que levaram a uma redução significativa no número de fumantes nas últimas décadas.
O levantamento traz ainda outro dado revelador: 2,6% dos adultos no Brasil —o que equivale a cerca de 4 milhões de pessoas— são usuários de dispositivos eletrônicos (ou vapes), o maior percentual registrado nos últimos cinco anos. No entanto, esses produtos são proibidos no país desde 2009 por decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que ratificou e ampliou essa restrição no ano passado. Isso significa que todos os dispositivos atualmente em uso no Brasil são ilegais e não passam por nenhum tipo de controle sanitário.
Não se sabe ao certo quais substâncias estão presentes nesses produtos nem em quais concentrações. A ausência de regulamentação, portanto, não elimina o consumo, mas o transfere para ambientes clandestinos e não fiscalizados, alimentando redes ilegais, elevando o risco toxicológico e dificultando tanto a atuação sanitária quanto as estratégias de educação em saúde.
É importante destacar que, embora a nicotina cause dependência, ela não é considerada uma substância cancerígena. Os principais responsáveis pelas doenças relacionadas ao tabagismo —como câncer de pulmão, enfisema e doenças cardiovasculares— são os produtos da combustão do tabaco, como alcatrão, monóxido de carbono e diversas substâncias tóxicas e carcinogênicas.
A nicotina é um estimulante que atua sobre o sistema nervoso central e o sistema cardiovascular, podendo aumentar a frequência cardíaca, a pressão arterial e o risco de doenças cardíacas e hipertensão a longo prazo. O uso crônico também pode impactar a função cognitiva, o humor e aumentar a vulnerabilidade à dependência.
Regulamentar não é incentivar o uso. É criar normas com critérios técnicos e científicos, protegendo não só a saúde dos usuários desses dispositivos, mas também prevenindo o acesso de pessoas que nunca tiveram contato com a nicotina. Enquanto o número de adultos fumantes aumenta no Brasil, países que já regulamentaram os dispositivos eletrônicos de entrega de nicotina vêm registrando quedas significativas nas taxas de tabagismo e nas vendas de cigarros. A redução de danos é uma abordagem reconhecida em saúde pública, já adotada por países como Reino Unido, Suécia, Japão e Canadá.
Simplesmente proibir não funciona —e, muitas vezes, o resultado é o oposto do esperado. Há 100 anos, os Estados Unidos viveram a chamada Lei Seca, que proibiu o comércio e o consumo de bebidas alcoólicas por 13 anos. O que se viu foi o fortalecimento do mercado ilegal e um aumento nos problemas de saúde provocados por produtos sem qualquer fiscalização. Precisamos aprender com os erros do passado para construir um futuro mais seguro, responsável e baseado em evidências científicas.
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Fonte ==> Folha SP