22 de agosto de 2025

Não tão determinados assim – 21/08/2025 – Suzana Herculano-Houzel

Não tão determinados assim - 21/08/2025 - Suzana Herculano-Houzel

Adoro os livros do neurocientista Robert Sapolsky sobre estresse. “Por que as zebras não têm úlceras?” é uma introdução excelente à faca de dois gumes que é a capacidade de sofrer por antecipação; “Junk food Monkeys” tem ensaios deliciosos sobre nossos hábitos de primatas, baseados nas observações do autor sobre uma comunidade de babuínos selvagens que ele visitava regularmente no Quênia.

Seu livro mais recente, contudo, é para mim difícil de ler sem marcar e rabiscar o texto continuamente com meus protestos. Em “Determinados”, lançado no Brasil em 2025, Sapolsky revela sua convicção de que não existe livre-arbítrio –e mais: sua crença em um mundo Laplaciano, determinista, onde a configuração atual de cada átomo e partícula subatômica do Universo define sucessivamente a configuração seguinte, e por conseguinte a configuração do cérebro define o destino de cada um. É literalmente uma declaração da sua crença em destino.

Peculiar, quando logo em seguida, e ainda na introdução do livro, ele declara que acredita em mudança. Só pode ser porque a mudança também estava predeterminada, caso no qual ela não é de fato mudança, não é mesmo? Pela lógica dele, seus leitores que acaso mudem de opinião sobre o livre-arbítrio já deviam estar fadados a mudar de opinião. Deve ser frustrante escrever um livro assim, a não ser que ele também achasse que já estava escrito na configuração dos átomos do Universo que ele escreveria o livro, e que certos leitores mudariam de opinião… e que esta neurocientista protestaria.

Acho que Sapolsky, como tantos neurocientistas que já li, comete o erro básico de não definir seu tema, no caso “livre-arbítrio”, antes de escrever um livro inteiro a respeito. A definição que ele oferece é uma não definição: ele somente aceitará que livre-arbítrio existe quando alguém lhe mostrar um neurônio ou um cérebro que gere comportamento sem ser influenciado pelo somatório do seu passado biológico. Primeiro, isso é uma safadeza, quando ele já sabe, melhor do que a maioria, que os detalhes da organização e do funcionamento de cada cérebro individual, e portanto do comportamento que ele produz, dependem da combinação de loterias genéticas, biológicas, e sociais. E segundo, e mais importante, nada disso tem a ver com livre-arbítrio.

Livre-arbítrio é a capacidade de ser agente do próprio futuro, tanto imediato quanto distante. Não termos poder sobre o futuro distante, por exemplo porque por definição raras pessoas se tornam astronauta ou presidente, não significa não ter agência sobre cada passo do caminho, ainda que no final os votos não cheguem ou a Nasa nos rejeite.

Sim, nosso cérebro é determinado por várias loterias. E isso não impede que, ao mesmo tempo, também tenhamos o poder de autodeterminação. Esta é a essência do livre-arbítrio, a qual reside na capacidade do nosso cérebro cheio de neurônios corticais de representar ações alternativas, cogitar a que estamos prestes a fazer, depois representar as consequências das nossas ações sobre os outros, e as consequências destas sobre nós mesmos, e só então seguir adiante… ou não.

Mudar de ideia é a capacidade mais importante do cérebro, e até Sapolsky acredita nela –ainda que ele ache que é só porque ele foi pré-determinado a pensar assim.



Fonte ==> Folha SP

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