A tarifa zero no transporte público urbano vem ganhando espaço em várias cidades brasileiras, amparada por argumentos de equidade e inclusão. A proposta é atraente: permitir que todos circulem livremente, ampliando o acesso a empregos, escolas, serviços e lazer.
No entanto, o apelo distributivo não deve se sobrepor às implicações econômicas e operacionais de uma política de preço zero em um setor estratégico, capaz de alterar padrões de mobilidade e gerar efeitos fiscais e ambientais relevantes.
Eliminar a tarifa reduz um custo que pesa mais sobre os pobres e, em tese, poderia ampliar as oportunidades de trabalho. Nos Estados Unidos, um estudo recente mostrou que o uso do transporte público pela população de baixa renda dobrou com a gratuidade e que os beneficiários apresentam melhoras em indicadores de saúde e de situação financeira.
Entretanto, não foram encontrados efeitos significativos sobre emprego ou renda. Isso sugere que o impacto econômico direto pode ser mais limitado do que se imaginava, ainda que haja efeitos sobre outros aspectos que melhoram o bem-estar das pessoas.
No Brasil, resultados também apontam para ganhos modestos. Municípios que implementaram a tarifa zero registraram aumento médio de 3,2% no emprego e queda de 4,1% nas emissões de gases de efeito estufa —um caso raro de “desacoplamento” entre crescimento econômico e impacto ambiental, já que o crescimento, em geral, vem acompanhado por mais emissões.
Ainda assim, esses benefícios só superam os elevados custos da política quando se consideram efeitos fiscais indiretos e ganhos globais de mitigação de carbono, que pouco aliviam os orçamentos locais.
A eliminação da arrecadação tarifária impõe às prefeituras a necessidade de financiar integralmente o sistema de transportes. Dessa forma, pressiona orçamentos já comprometidos com outros gastos prioritários, como os que mantêm o funcionamento dos serviços municipais e a infraestrutura da cidade —exatamente aquilo que a tarifa zero pretende tornar mais acessível.
E, por mais que a fragilidade fiscal seja um risco central, ele não é o único. Há ainda o risco de sobreutilização do sistema. Quando o preço é zero, o incentivo ao uso é total —inclusive para deslocamentos não essenciais e para pessoas com condições de pagar.
Em contextos de oferta limitada, o aumento abrupto da demanda pode gerar congestionamento dentro do próprio transporte público, elevando custos operacionais e reduzindo a eficiência. O resultado paradoxal é um sistema mais caro e menos funcional, especialmente para os trabalhadores que dependem dele diariamente.
A busca por uma mobilidade mais justa e sustentável é legítima e necessária, mas a tarifa zero não é a única, nem necessariamente a melhor, alternativa. Subsídios focalizados em grupos de baixa renda ou horários de pico podem atingir os mesmos objetivos com menor custo fiscal. Investimentos em integração, infraestrutura e confiabilidade também reduzem custos de tempo e aumentam o acesso.
Políticas universais e onerosas, como a tarifa zero, devem ser avaliadas com muito cuidado e rigor. A gratuidade total pode soar como um passo adiante na justiça social, mas, sem um financiamento sólido e uma estrutura de oferta eficiente, corre o risco de gerar o efeito oposto ao que esperava dela.
Fonte ==> Folha SP