Uma cidade norueguesa descobriu que os ônibus elétricos que comprou da China tinham um software capaz de impedir, de maneira remota, o seu funcionamento. Não é só na Noruega que isso acontece (na portuguesa Braga, cidade com grande comunidade brasileira, os ônibus são da mesma marca) e não é só a China que faz isso: os Estados Unidos também têm desde tratores até armas que podem ser inutilizadas a partir de uma ordem superior.
O potencial para sabotagem à distância é óbvio: no dia em que as cidades europeias estiverem cheias desses veículos, como está nos planos da própria União Europeia de combate às mudanças climáticas, bastará apertar um botão à distância para lançar o caos nas maiores áreas metropolitanas do continente.
E o problema não é exclusivamente europeu; se pensarmos na quantidade de edifícios governamentais africanos que foram “oferecidos” pela China, podemos nos perguntar se não existe o mesmo tipo de vulnerabilidade e que soberania real terá um país cujos prédios de governo podem ser “desligados” de um momento para o outro.
O que espanta nesses indícios é a escala do tempo que os rege. É pouco relevante pensar se houve um plano desde o início ou se a oportunidade se apresentou de forma ocasional. O certo é que uma estratégia de sabotagem à distância só funcionará no dia em que tais ônibus forem majoritários nas cidades mais importantes. Isto revela planejamento de décadas e gerações no futuro. Costuma se dizer que a China pensa no longo prazo, e estes exemplos confirmam a tese.
Contraste-se o que faz a China com o que faz a Rússia. O governo em Moscou também está empenhado em ações de sabotagem no território da União Europeia, mas elas são mais agressivas e menos sofisticadas, incluindo, por exemplo, o sobrevoo de drones contra infraestrutura da Polônia ou da Dinamarca, entre outros casos tratados com alguma circunspecção pelas autoridades europeias.
Faz sentido a diferença de naturezas entre os planos chineses e os ataques russos. A Rússia é um império em decadência que tem pressa, ao passo que a China é um império em ascensão que pode se dar ao luxo de esperar.
Por isso a guerra em larga escala contra a Ucrânia, que parecia não fazer sentido até ao dia em que aconteceu. Moscou parece acreditar que “com a Ucrânia, a Rússia se torna automaticamente um império”, como dizia Zbigniew Brzezinski, o polaco-americano que foi conselheiro de Segurança Nacional no governo Jimmy Carter.
Mas há ainda uma dimensão de urgência a esse pensamento, como transparece do ensaio pseudo-histórico que Putin publicou em 2022 “sobre a unidade entre russos e ucranianos”: sem a Ucrânia, a Rússia nem sequer é a Rússia. A existência de uma Ucrânia independente é uma ameaça existencial à Rússia, no pensamento do Kremlin.
Se Moscou fosse o único ator nessa empreitada, bastaria drenar as suas forças, criando um atoleiro ucraniano. Mas a característica única do nosso tempo é a aliança entre o império da pressa e o império da paciência. Enquanto a Rússia vai distraindo os europeus, a China vai colocando as suas peças no tabuleiro.
Fonte ==> Folha SP


