26 de novembro de 2025

Solução para crise climática, Reforma Agrária Popular tem pouco espaço na COP30 — Brasil de Fato

O mundo inteiro está com os olhos e ouvidos atentos voltados para o Brasil por conta da COP30, sediada em Belém do Pará. Na foto oficial, centenas de autoridades e governantes posam orgulhosos, com o peito estufado, ao lado de lideranças do agronegócio que fingem não ser este modelo de exploração capitalista o principal responsável pelas crises climática e ambiental no nosso país. Nos bastidores, representantes da Cúpula dos Povos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de vários outros movimentos sociais, estão construindo soluções concretas, de longo prazo, para a crise ambiental e tentando fazer os engravatados ouvirem a voz do bom senso.

Mas a verdade precisa ser dita: a COP30 só conseguirá apontar saídas efetivas para a crise climática se deixar de ser comandada pelas mesmas pessoas que produzem esta crise e têm interesse na continuidade desse modelo de acumulação baseado na concentração de terras, no desmatamento, na monocultura e na violência. Apesar de ser o principal agente causador das crises ambiental e climática, responsável por 65% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, o agronegócio tem presença central garantida no evento. Diante desse cenário sustentado pela hipocrisia, a participação popular está restrita a poucos espaços marginais e funciona como um verniz ambiental, somente para legitimar acordos infrutíferos já previamente discutidos pela alta cúpula. A ideia de “temos que sentar todos juntos à mesma mesa, com governos, corporações e povos, para discutir o futuro em comum” significa escamotear os interesses de classes que estão por trás da agenda climática e ambiental.

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Impactos das mudanças climáticas

Ao buscar se expandir, o modelo do agronegócio destrói a natureza e violenta as populações tradicionais. Dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) revelam que 211 indígenas foram assassinados em 2024, e mais de 200 em 2023. Os conflitos agrários se multiplicam. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), nos seis primeiros meses de 2024, foram registrados 1.056 conflitos agrários, sendo 872 por terra e 125 por água. Os indígenas foram as principais vítimas de conflitos no campo. Essa violência não é um efeito colateral do modelo de produção: é parte constitutiva dele. O agronegócio precisa da expulsão das populações de seus territórios para expandir a fronteira agrícola. Precisa da concentração de terras para manter a monocultura. Precisa da violência para garantir seus lucros. Portanto, o que está posto é um grave e flagrante conflito de interesses. Como sentar à mesa com aqueles que querem manter tudo o que a COP deveria mudar?

É urgente pontuar que as crises climática e ambiental são consequências diretas da lógica de acumulação capitalista promovida pelas classes dominantes, especialmente, dos países do Norte Global. Os dados revelam uma desigualdade estrutural nas emissões de gases de efeito estufa. Segundo o estudo Climate Change And The Global Inequality Of Carbon Emissions [Mudanças Climáticas e desigualdade na emissão de carbono, em tradução livre], os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por cerca de 20 vezes mais emissões em comparação com os 50% mais pobres.

Não é possível pensar em justiça climática sem pensar em justiça social. Os efeitos da crise climática se manifestam através do modo como a sociedade está organizada. Os mais pobres, negros e negras, os que vivem em condições precárias de moradia e já estão em situação de vulnerabilidade, são os que mais sofrem com enchentes, deslizamentos, secas e ondas de calor. No Brasil, de 2013 a 2024, 95% dos municípios do país já foram atingidos ao menos uma vez por algum tipo de desastre. Desastre, vale frisar, que não é natural, como muitos alegam, para se eximir de responsabilidade, mas consequência da exploração capitalista.

Portanto, a solução para a crise climática passa, necessariamente, pela superação do modelo capitalista. Isso significa enfrentar a concentração de renda e de terra, garantir moradia digna, saneamento básico, transporte público de qualidade, acesso à saúde e à educação. Significa construir um modelo de desenvolvimento que coloque a vireforma da das pessoas – e não o lucro – no centro das decisões políticas.

Compromissos concretos

Nesse sentido, a Reforma Agrária Popular e a agroecologia são as saídas concretas para a crise ambiental. Nós, do MST, queremos enfrentar a raiz do problema. Lutamos há décadas para desconcentrar a propriedade da terra, garantir acesso à terra para quem trabalha nela, e construir um modelo de produção sustentável baseado na agroecologia. A massificação da agroecologia, enquanto modelo produtivo, aliada à tecnologias acessíveis e populares, é capaz de produzir alimentos saudáveis, conservar os biomas, recuperar áreas degradadas e garantir soberania alimentar.

Desde 2020, o MST já plantou mais de 40 milhões de árvores em todo país e construiu mais de 300 viveiros de mudas. Hoje, o MST articula 185 cooperativas e 1.900 associações por meio da União Nacional das Cooperativas e Associações de Reforma Agrária do Brasil (Unicrab), distribuídas por todos os estados em que o movimento atua. Também existem 120 agroindústrias. Essas cooperativas e agroindústrias estruturam mais de 30 cadeias produtivas, incluindo arroz, leite, café, mandioca, hortifrúti e uma ampla gama de alimentos processados, que chegam às feiras, mercados e cozinhas brasileiras todos os dias.

Pela primeira vez, a COP acontece no coração da Amazônia, maior símbolo da luta em defesa do meio ambiente no mundo. Estamos sob o holofote e não podemos, em hipótese alguma, desperdiçar essa oportunidade. O futuro climático mundial depende das decisões (ou omissões) que forem tomadas nesta edição, que reúne 198 países signatários do Acordo de Paris para enfrentar o aquecimento global. Não temos mais tempo, a situação é gravíssima.

Se nada realmente eficaz for feito para reduzir drasticamente as emissões de gases do efeito estufa causadores do aquecimento global, a situação será irreversível. O Global Stocktake já mostrou que os esforços assumidos até agora pelos países não são suficientes para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C. Isso reforça a urgência de cortes mais profundos nas emissões e a necessidade de acelerar a implementação do Acordo de Paris. Estima-se que os países em desenvolvimento precisarão de 1,3 trilhão de dólares anuais para enfrentar os impactos da crise climática e garantir uma transição justa. A grande questão é: de onde virão esses recursos? E mais importante: os mecanismos de financiamento farão com que o dinheiro chegue a quem realmente precisa e já promove a proteção dos biomas no território? Os mecanismos atuais de financiamento climático sustentam a desigualdade. Os recursos são controlados por instituições financeiras internacionais, passam por intermediários e raramente chegam às comunidades que estão na linha de frente da proteção ambiental.

A sociedade internacional e brasileira precisa assumir compromissos concretos que tenham a vida das pessoas como objetivo no horizonte. Nosso futuro só será garantido caso haja coragem e capacidade para enfrentar o agronegócio e construir uma agenda ambiental popular, baseada na reforma agrária, na agroecologia, na garantia de direitos territoriais para os povos indígenas e comunidades tradicionais, e na justiça social.

A COP30 tem potencial de deixar um legado que vai definir se nossos filhos e netos terão direito ao futuro ou não. Mas isso requer uma mudança estrutural na forma como produzimos e nos relacionamos com a natureza. Uma mudança que enfrente o agronegócio como ele é hoje – inimigo do Brasil e dos brasileiros – e que construa uma alternativa popular para a crise climática.

*Maíra do MST (PT) é vereadora do Rio, professora e doutoranda em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.



Fonte ==> Brasil de Fato

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