21 de novembro de 2025

O legado jurídico da prisão de Pinochet em Londres – 20/11/2025 – Laura Greenhalgh

Homem idoso com cabelos grisalhos penteados para trás e bigode branco, olhando levemente para cima. Ele veste terno escuro e camisa branca, com fundo desfocado em tons marrons e claros.

Quem ocupará o Palácio de La Moneda em 2026: uma comunista moderada ou um ultradireitista saudoso da ditadura? Uma boa forma de atravessar o segundo turno da campanha chilena pode vir da leitura de “Rua Londres, 38″ (ed. Alfred Knopf, 2025, em tradução livre). Entro na fila dos que recomendam o livro e saliento a sua atualidade.

De autoria do jurista britânico Philippe Sands, a obra só atrai elogios. O título se refere ao antigo endereço do Partido Socialista em Santiago, depois transformado em uma das masmorras de Augusto Pinochet –cuja amizade com um nazista repugnante é também esmiuçada nas páginas.

Vale lembrar por que o autor, professor de direito da Universidade de Londres, passou anos pesquisando um regime brutal sul-americano. Entre coincidências da vida, Sands é casado com a filha de um ex-editor dos EUA. Em 1976, seu sogro preparava um livro com Orlando Letelier, que foi ministro de Salvador Allende, sobre as graves violações de direitos humanos no Chile. Foi quando o carro de Letelier explodiu no centro de Washington, em mais um indicativo de que Pinochet matava além-fronteiras.

Mais tarde, uma precipitação de fatos levou o ditador chileno a ser preso numa clínica londrina. Foi na noite de 16 de outubro de 1998. Pinochet se recuperava de uma operação na coluna quando quatro oficiais da Scotland Yard acenderam as luzes do quarto 801, acompanhados de intérprete. O paciente não falava inglês. Ali deram ciência do mandado de prisão com pedido de extradição devido a assassinatos, torturas, desaparecimentos e genocídio.

Suas primeiras palavras não foram para se dizer inocente. Pinochet praguejou: “Foi aquele filho da puta do Juan Garcés”. Referia-se a um advogado de Madri, defensor de dezenas de vítimas da ditadura chilena, incluindo espanhóis. Foi quem convenceu o promotor Carlos Castresana a oferecer denúncia num tribunal de Valência. O caso subiu para uma corte especial e, de lá, o magistrado Baltazar Garzón disparou o pedido internacional.

Prender Pinochet foi oportunidade dada. Blindado por uma lei de anistia e como senador vitalício, duas bondades que criou para si, ele não ouviu quem lhe disse que a viagem seria arriscada. Embarcou com a mulher, foi a restaurantes, tomou chá com a amiga Margaret Thatcher, deu entrevista para Jon Lee Anderson, da revista New Yorker, e se internou. Laudos de saúde impediram sua extradição para a Espanha. Passou 503 dias em prisão domiciliar em Londres, antes de ser devolvido ao Chile.

Importante ver como se criam as condições para atuar com base na jurisdição universal. Entre Garzón aceitar o caso e enviar seu pedido para autoridades britânicas, via fax, foram cem minutos. Ou seja, as peças do xadrez se moveram rapidamente a partir da senha “Pinochet em Londres”. Depois, o processo continuou sob as leis britânicas.

O ditador morreu aos 91 anos sem pagar por seus milhares de crimes. Contudo, a prisão longe de casa destravou a Justiça chilena para julgar muitos casos. Hoje, juristas questionam se a jurisdição universal deve servir como mola propulsora da Justiça local ou se o foco é mesmo a Justiça transnacional.

A verdade é que o caso Pinochet mudou a jurisprudência sobre crimes contra a humanidade. E deve causar algum desconforto a Putin e Netanyahu, juntos numa lista de sanguinários denunciados pelo TPI.



Fonte ==> Folha SP

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