O DeepSeek é a confirmação de que a China não é mais café com leite em ciência. Se ela já vinha rivalizando com os Estados Unidos no volume de artigos científicos publicados, agora mostrou que compete também em relevância —e numa área de ponta, como é a inteligência artificial (IA).
Dado que a China tem uma população quatro vezes maior que a dos EUA e um sistema de educação básica bem melhor do que o americano, podemos esperar que o país asiático assuma uma inconteste liderança nos próximos anos?
Talvez, mas não é tão simples. Há um argumento liberal-institucionalista segundo o qual em ditaduras, como é o caso da China, a ciência está meio que fadada a fazer voos de galinha.
O exemplo clássico é a URSS. O país chegou a assumir a primeira posição na pesquisa aeroespacial —o momento Sputnik—, mas não foi capaz de manter-se à frente nem conseguiu reproduzir a excelência em outros campos do conhecimento. Na verdade, o atraso tecnológico da URSS em várias áreas é uma das causas do colapso do regime em 1991.
Na visão dos institucionalistas, a ciência só avança a passos firmes quando pesquisadores dispõem de liberdade para questionar tudo, incluindo seus superiores hierárquicos e os consensos científicos que eles incorporam.
E limitações impostas pelo centralismo censório do regime chinês aparecem no próprio DeepSeek. Quem tentar utilizá-lo para fazer pesquisas sobre a história chinesa recente rapidamente descobrirá que a ferramenta não traz informações que desagradem ao governo de Xi Jinping.
Mas não é só a democracia liberal que é capaz de aprender com erros e evoluir. Regimes autoritários também podem fazer isso. Ao contrário dos soviéticos, que permitiram que a ideologia contaminasse a ciência, como ficou patente na imprestável “biologia socialista” de Trofim Lysenko, os chineses têm sabido manter certo pragmatismo, restringindo a censura às ciências humanas.
Vamos ver se funcionará. Em todo caso, eu não apostaria numa queda do regime chinês por atraso tecnológico.
Fonte ==> Folha SP