Reza o artigo 196 da Constituição brasileira que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo o acesso universal e igualitário a ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Sua abrangência, uma população de mais de 216 milhões de pessoas distribuídas em um território de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, impõe desafios substanciais entre a determinação legal e a capacidade prática de seu efetivo cumprimento.
Por óbvio, a solução integral é complexa e passa por atacarmos alguns desafios isoladamente. Para um dos mais graves e urgentes, a celeridade no acesso ao sistema de saúde, há, agora, a proposta em estudo pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) da implementação em um ambiente regulatório experimental de plano de saúde com cobertura limitada a consultas eletivas e exames no âmbito ambulatorial, ou seja, sem internações. A análise deste produto precisa ser pautada em dados para a devida compreensão de sua contribuição social, a começar pelo impacto positivo no Sistema Único de Saúde.
Mundialmente reconhecido pela excelência e pelo gigantismo, o SUS enfrenta críticas entre a população. Existe a percepção, por vezes cética, do serviço não pela qualidade assistencial, mas pela dificuldade de acesso com prazos infindáveis para a marcação de consultas e de exames ambulatoriais. Em 13 capitais brasileiras, o tempo de espera para consultas passa de um mês. Em Cuiabá, a espera média é de 197 dias.
A fila é um reflexo da alta demanda. Pesquisa Datafolha mostra que já há uma década a maior busca dos brasileiros ao acessar o SUS é pelo pronto atendimento (81%), seguida por consultas (79%). Já a parcela que o usa para internações cai a 32%, e por tratamentos de alta complexidade, como quimioterapia, a 10%. Ampliada a oferta de consultas pelas operadoras, o uso do sistema público para tratamentos complexos tende a cair ainda mais, já que de 80% a 90% das demandas de saúde como um todo são resolvidas na atenção primária e secundária, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Diante desses dados, é indiscutível que a oferta de um plano ambulatorial pelas operadoras pode ajudar a resolver um dos maiores descontentamentos dos cidadãos. Condições para que esse modelo opcional de plano funcione são necessárias e passam por regras claras, por um ambiente regulatório fortalecido e pela segurança jurídica de que o que está estabelecido no contrato será respeitado e não fragilizado —ou mesmo inviabilizado por eventual judicialização indevida.
Ademais, é importante destacar que, diante da atual impossibilidade regulatória de o setor de saúde suplementar atender a essa demanda reprimida, surgiu no Brasil um mercado paralelo não regulamentado que hoje atende mais de 40 milhões de pessoas. Cartões de desconto são oferecidos por mensalidades de R$ 30, que dão direito a descontos em consultas. Se estivesse dentro da lei, tal produto seria classificado como plano ambulatorial com coparticipação.
Abrir a chancela legal para que a saúde suplementar ofereça um plano para consultas eletivas e exames é trabalhar pelo diagnóstico cada vez mais precoce em prol da população brasileira, pelo fortalecimento da cultura da medicina preventiva no Brasil e pela segurança clínica dos mais de 216 milhões de cidadãos —logo, pelo desafogamento do SUS.
Aos críticos desse modelo, que creem que a população não deva ter a oportunidade dessa escolha e fique presa ao modelo vigente de filas angustiantes, deixo Jean-Jacques Rousseau, uma vez que o plano de consultas e exames em âmbito ambulatorial não será cogente e sim optativo: “O homem nasceu livre e por toda a parte vive acorrentado”. Está na hora de a população ser empoderada e ter mais liberdade de escolha para o acesso à saúde.
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Fonte ==> Folha SP