23 de abril de 2025

A batalha da rua Maria Antônia – 25/03/2025 – Andanças na metrópole

A batalha da rua Maria Antônia - 25/03/2025 - Andanças na metrópole

Um dos aspectos mais interessantes do filme “A Batalha da Rua Maria Antônia”, de Vera Egito, é a locação. Usar os lugares originais da violenta disputa entre estudantes do Mackenzie e da Faculdade de Filosofia da USP foi impossível. Então se optou em ocupar outras construções, como o prédio onde atualmente funciona o Museu das Favelas, e as ruas circunvizinhas, como a Floriano Peixoto e a Roberto Simonsen, bem no coração da cidade, ao lado do Pátio do Colégio.

A agitação dos estudantes de esquerda acontece nesse prédio, num único dia, 2 de outubro de 1968, quando explodiu a briga. O filme revela a rotina e os bastidores da militância na USP, que envolvia realização de plebiscito, passeata, reuniões frequentes e produção de coquetéis molotov. Mostra também um professor denunciando a direita do Mackenzie e um outro, dedo duro, que contava o que acontecia na Faculdade de Filosofia para a polícia do regime.

O filme apresenta o ponto de vista dos estudantes da USP e suas rotinas alucinadas na luta contra a direita e a ditadura. A ação política era prioridade absoluta e pouco interessavam as aulas. Só se pensava em formas de reagir a um iminente ataque do adversário.

No filme, o Mackenzie, localizado em frente da USP, é um prédio cercado de tapumes, cujos alunos aparecem sempre com atitude belicosa. Eles são agressivos o tempo inteiro e usam terno e gravata, ao contrário da turma da USP, que se veste informalmente.

A localização e os tapumes transformam o Mackenzie numa espécie de não lugar. É uma metáfora de um local ameaçador, de onde só se espera xingamentos anticomunistas e algum ato de violência.

A universidade presbiteriana abrigava membros do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) e tinha muitos estudantes linha dura. A polarização atingia extremos e a rua Maria Antônia era um laboratório da radicalização do regime.

A batalha explodiu após um mackenzista atirar um ovo podre na direção de alunos da Faculdade de Filosofia que cobravam pedágio na via para arrecadar fundos. Os dois lados entraram em confronto e a situação saiu do controle. A briga durou pelo menos quatro horas. As armas eram pedras, paus, revólveres e coquetéis molotov.

O governador Abreu Sodré mandou a polícia cercar o local. O confronto deixou um morto, três feridos a bala e ao menos 30 presos. Um tiro atingiu mortalmente o estudante secundarista José Carlos Guimarães, 20, alvejado na cabeça. O disparo veio de dentro do Mackenzie. Guimarães foi levado ao Hospital das Clínicas, mas não sobreviveu.

Segundo a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, ele foi morto por um membro do CCC e alcaguete policial chamando Osni Ricardo.

Entre os policiais que participaram da operação foram reconhecidos o delegado Raul Nogueira de Lima, vulgo Raul Careca, e o comissário Otávio Gonçalves Moreira Jr., conhecido como Otavinho, membros do Dops e, posteriormente, torturadores do DOI-Codi/SP. A polícia atuava a favor do Mackenzie.

O filme, de 2023, teve pré-estreia para os cinemas na última quinta-feira, no Espaço Petrobras de Cinema, e resgata um momento crucial da ditadura no Brasil, dois meses antes do AI-5. Outro fato de destaque em “A Batalha da Rua Maria Antônia” é que ele foi montado com 21 planos-sequência, separados didaticamente por números, e filmado em película de 16 milímetros em preto e branco.

Isso dá um clima de época para a narrativa e aproxima o filme daqueles dias de 1968. É uma obra oportuna que fala de um assunto muito atual: o avanço autoritário.



Fonte ==> Folha SP

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