O autoritarismo é uma tradição de governos populistas latino-americanos, independentemente da ideologia professada. Em El Salvador, por exemplo, a trajetória do direitista Nayib Bukele cada vez mais se aproxima à de Nicolás Maduro, na Venezuela, e à de Daniel Ortega, na Nicarágua.
A começar pela pretensão de manter-se no poder indefinidamente. Na quinta (31), a Assembleia Legislativa do país aprovou emendas constitucionais que permitirão ao presidente reeleições sem limites. Dos 60 congressistas, apenas os únicos três da oposição votaram contra.
A afronta à alternância de poder, mecanismo essencial das democracias liberais, teve início em 2021, no terceiro ano de seu mandato, quando a Corte Suprema removeu o impedimento à reeleição imediata para presidente —logo após Bukele substituir magistrados do tribunal, com aval de uma Assembleia governista.
A medida ora aprovada também amplia a duração da gestão de cinco para seis anos e elimina o segundo turno das disputas, além de antecipar o fim do mandato atual de Bukele para alinhar a eleição presidencial às legislativas e municipais —o que é visto como meio de fortalecer o Novas Ideias, partido do presidente.
A repressão a opositores, à imprensa e a organizações de direitos humanos desde a ascensão de Bukele ao poder, em 2019, igualmente reproduz o autoritarismo de Maduro e Ortega.
Sob a promessa de reduzir a violência do crime organizado, o populista governa há três anos sob um estado de exceção. A diminuição na taxa de homicídios foi acompanhada por prisões em massa realizadas ao arrepio do devido processo legal, sem contar denúncias de torturas e mortes de encarcerados.
Em paralelo, segundo a imprensa salvadorenha, Bukele teria firmado acordos sigilosos com o crime organizado para reduzir índices de assassinatos e roubos.
Certo é que o caudilho caiu nas graças de Donald Trump, ao oferecer suas penitenciárias a imigrantes deportados dos Estados Unidos. A boa vontade da Casa Branca com seu modus operandi talvez exponha o maior contraste entre o governo de El Salvador e os da Venezuela, Nicarágua e de Cuba.
Outra distância em relação a tais regimes estaria em sua aprovação por 85,2% da população, aferida por pesquisa do jornal La Prensa Gráfica —a ser lida com reserva, dado o grau de repressão vigente. O pendor autocrata de Bukele está exposto em fatos. Mas ainda assombra sua franqueza ao dizer que não se importa em “ser chamado de ditador”.
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Fonte ==> Folha SP