29 de abril de 2025

A omissão do estado diante da violência contra a mulher é uma forma de cumplicidade – Brasil de Fato

O Estado do Rio Grande do Sul falha de forma vergonhosa com suas mulheres. Em um momento em que o poder público deveria ser amparo e proteção, ele simplesmente desaparece negligentemente. E o preço dessa ausência tem sido pago com a vida mulheres e meninas.

Atualmente, existem apenas 22 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) para os 497 municípios gaúchos. Muitas delas nem sequer funcionam de forma integral, como determina a legislação federal, por falta de efetivo. Os servidores que ali atuam são verdadeiros heróis, que enfrentam jornadas exaustivas, em estruturas precárias e com recursos insuficientes, resultado direto da negligência do poder público.

Um exemplo gritante dessa precariedade está em Viamão (RS), onde a delegacia conta com apenas sete servidores para toda a demanda e a delegada titular precisa deslocar-se para Alvorada uma vez por semana para dar plantão, pois o município não tem uma delegada titular há quase um ano. Essa situação, levada por mim ao secretário estadual de Segurança Pública e ainda não teve qualquer resposta.

E qual é a consequência prática dessa negligência do estado? Mulheres vítimas de violência que procuram ajuda e não são atendidas voltam para casa, muitas vezes para os braços de seus agressores. Isso não é apenas omissão. É cumplicidade.

O último feriado da Páscoa evidenciou de forma trágica essa realidade: dez mulheres foram assassinadas em apenas quatro dias. Dez vidas que poderiam ter sido salvas, se o estado tivesse uma rede de proteção real e efetiva, não apenas no papel. E não são casos isolados: em abril de 2025, já são 12 feminicídios registrados e no ano de 2025 chegam a 31 crimes. Um retrato cruel da falência da política de segurança pública e do sucateamento da Polícia Civil do governo de Eduardo Leite.

A situação afeta também os próprios servidores e servidoras. As jornadas exaustivas e o adoecimento físico e mental têm levado a um número crescente de exonerações, conforme denúncia do Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores da Policia Civil do Rio Grande do Sul (Ugeirm Sindicato). A precarização é tamanha que se transforma em um ciclo vicioso: quanto mais abandonados estão os servidores, menos condições têm de proteger as vítimas.

E é importante deixar claro: não se trata apenas de falta de recursos. Somente em 2024, o governo federal repassou R$ 4,5 milhões ao estado por meio do Ministério da Justiça, em transferências fundo a fundo. A Secretaria Estadual de Segurança afirma ter executado 73% desse valor. Mas onde estão esses investimentos? Essa é a pergunta que me motivou a fazer um Pedido de Informações oficial ao governo do estado.

O mesmo ocorre com o orçamento do estado para 2024. Foram previstos R$ 18 milhões em ações de proteção às mulheres, mas desse total, apenas 5,7% foram efetivamente utilizados.

Também não sabemos como o estado vai proteger as mulheres se em muitas da chamadas Salas das Margaridas, criadas para acolher vítimas de violência em delegacias comuns, carecem de estrutura básica e diversas ficam ociosas porque não há efetivo suficiente para operá-las.

Os números são alarmantes. Das 2 mil tornozeleiras eletrônicas prometidas para monitorar agressores, somente 300 estão em uso. E as 62 Patrulhas Maria da Penha existentes precisam se desdobrar para atender 114 municípios. Ainda assim, o governo estadual recusa-se a aderir a programas federais, como o Salas Lilás, prevê recursos federais para estruturação de salas de acolhimento e atendimento multidisciplinar de mulheres e meninas em situação de violência.

O descaso do governo Leite é tão profundo que a Secretaria de Políticas para Mulheres segue extinta há quase uma década, apesar de todos os apelos dos movimentos sociais, especialistas e parlamentares. Em seu lugar, existe um departamento sem qualquer autonomia e também sem estrutura.

Por outro lado, na Assembleia Legislativa, temos feito a nossa parte. Aprovamos leis importantes, como a que determina ações contra a violência de gênero nas escolas, de autoria da deputada Sofia Cavedon, e o Protocolo Não se Cale RS, de minha autoria, para coibir o assédio e a violência sexual em bares e casas noturnas. No entanto, elas não foram regulamentadas, o que sabota a proteção das mulheres.

O Legislativo também tomou à frente e aderiu, em abril, à Campanha Feminicídio Zero, do Ministério das Mulheres, para que através da sua Força-Tarefa, dê amplitude à conscientização da sociedade sobre o tema, ao lado da Ufrgs e dos cubes Internacional e Grêmio.

Portanto, o que falta ao governo do estado é mais seriedade com o problema. O Rio Grande do Sul clama pela reabertura de uma Secretaria de Política para as Mulheres que lidere com autoridade a Rede Lilás, e promova reuniões periódicas das altas cúpulas dos poderes e das autoridades responsáveis por dar segurança para as mulheres.

Da mesma forma que esperamos a adesão do RS à programas federais que fornecem recursos para investimentos em formação e estrutura da segurança pública e um andamento mais célere ao processo de licitação para a construção de duas Casas da Mulher Brasileira, cujos recursos já estão disponíveis.

É inadmissível que o estado siga abandonando suas cidadãs mais vulneráveis. Ou enfrentamos de fato essa tragédia ou continuaremos assistindo ao luto se repetir, dia após dia. O silêncio institucional não pode mais ser a resposta.

*Deputada Estadual e Presidenta da Força-Tarefa de Combate aos Feminicídios do RS

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.



Fonte ==> Brasil de Fato

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