26 de junho de 2025

A ‘privacidade’ como pretexto para ferir a transparência pública – 06/05/2025 – Opinião

A 'privacidade' como pretexto para ferir a transparência pública - 06/05/2025 - Opinião

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem até quinta-feira (8) para tomar uma das mais importantes decisões de seu mandato em relação à transparência pública.

Trata-se de um veto parcial ao projeto de lei 4.015/2023, cujos artigos 9º e 10º dificultariam muito que cidadãos soubessem quanto recebem os promotores, procuradores e juízes do país. Aprovado pelo PT e seus aliados do centrão, esses “detalhes” do projeto alteram a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) de modo sub-reptício. Se o PL 4.015 for sancionado sem vetos, o Brasil sairá dos padrões internacionais de transparência em três dimensões: remuneração, contratos e crimes.

Os artigos 9º e 10º do projeto aprovado pelos parlamentares viabilizam o antigo desejo de membros do Judiciário e do Ministério Público de ocultar seus salários. Esse desejo pode ter lógica, mas não há fundamentação democrática que o justifique. Muitos magistrados e procuradores ganham, em um único mês, mais do que 90% dos brasileiros em um ano inteiro. Mesmo que não houvesse esse descalabro, o princípio valeria: em uma democracia, quem trabalha para o Estado, faz contratos com ele ou comete crimes contra ele deve ser obrigado a tornar as transações transparentes aos cidadãos.

Quanto aos contratos públicos que envolvem recursos do contribuinte, a transparência do governo está piorando significativamente. Devido a uma decisão pouco republicana da Advocacia-Geral da União (AGU) em 2024, o governo retirou do ar contratos bilionários antes disponíveis no site Transferegov.br, muitos deles oriundos de emendas parlamentares.

Veja um exemplo ilustrativo. O deputado federal Kiko Celeguim (PT-SP) fez uma emenda de quase R$ 3,6 milhões para o município de Francisco Morato, destinada a obras de pavimentação e infraestrutura. No entanto, consta no Transferegov.br uma análise do contrato assinada por Aguiar Costa, coordenador no Ministério das Cidades, cujo parecer aponta uma “incompatibilidade da métrica apresentada para mensuração das metas deste plano de trabalho”.

Nenhum cidadão tem acesso aos detalhes desse contrato, pois os oito PDFs correspondentes não podem ser abertos. A isenção geral para documentos contratuais disponíveis online foi criada pela AGU sob o argumento de que poderiam comprometer informações privadas. No entanto, publicar contratos envolvendo o dinheiro público é prática corriqueira nos sistemas de transparência do mundo todo.

Com relação à transparência dos crimes contra o Estado, o Brasil já está em descumprimento de suas promessas referentes à Convenção sobre o Combate à Corrupção da OCDE, mantendo a opacidade dos fatos derivados dos crimes relacionados aos acordos de leniência. Esses acordos aparecem no site da Controladoria-Geral da União (CGU), mas os fatos são mantidos apenas em PDFs que não podem ser acessados pelos cidadãos.

Como resultado, torna-se impossível para a sociedade rastrear os detalhes dos crimes cometidos, os bilhões de reais devidos aos cofres públicos ou identificar as falhas institucionais que possibilitaram tais delitos.

Ainda não se sabe a posição do presidente Lula sobre o PL 4.015. Estranhamente, nem a CGU nem seu ministro, Vinicius de Carvalho, manifestaram-se publicamente sobre o assunto. A Secretaria Nacional de Acesso à Informação (CGU) passará grande vergonha se o projeto for sancionado como está.

Lula deveria vetar os artigos do projeto que são frontalmente contra o espírito da transparência pública. Caso o faça, a maioria legislativa para reverter os vetos terá dificuldade em ser alcançada e a transparência será preservada. O presidente tem, ainda, o apoio explícito da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) ao veto.

Se não o fizer, o Brasil dará um passo enorme para se tornar uma exceção negativa quanto à transparência de dados públicos.

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Fonte ==> Folha SP

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