Abolição de 1888 falseou realidade; ainda é preciso luta e reflexão – 14/05/2025 – Tom Farias

Reprodução da tela

A abolição da escravatura no Brasil completou, na terça-feira (13), 137 anos de existência legislativa. Para negros brasileiros, parece que a data foi ontem, quando a princesa Isabel, da sacada do Paço Imperial, no Rio de Janeiro, comunicava o povo a assinatura do decreto.

A data ainda é controversa para o movimento negro, que contesta sua eficácia, tendo em vista hoje a situação da maioria da população negra no país, vivendo às margens da sociedade.

A Lei Áurea, como foi apelidada, contendo minguados dois artigos constitucionais, pode ter sido uma farsa, mas a luta dos negros por liberdade, no passado, assim como no presente, merece todo respeito e comemoração.

A escravidão foi um sistema perverso de manutenção do poder financeiro e político. Isso explica muita coisa, sobretudo porque o Estado brasileiro, com todos os seus mecanismos de controle, a manteve intacta e segura por cerca de 358 anos.

Mas o movimento abolicionista também foi um organismo vivo, glorioso, aguerrido, o sonho e a esperança de homens e mulheres que, com sangue, suor e lágrima, tudo fizeram para se livrar da sujeição e da ganância de um comércio que, sem qualquer senso de humanidade, comercializava carne humana, vinda ou não da África, alojada em senzalas ou nos porões dos navios negreiros.

Hoje a senzala são as favelas brasileiras, os porões dos antigos navios negreiros são os trens lotados, os ônibus sem conforto e refrigeração, a fome que impera nos lares, ceifando vidas e humilhando a família e a infância.

No fragor dos últimos anos da luta pela liberdade, intelectuais, homens públicos e jornalistas abriram trincheiras poderosas de combate a uma organização mercantilista que surgiu no país com o descobrimento.

José do Patrocínio, um dos abolicionistas mais aguerridos pela causa da nação, chegou a escrever, com razão, que a “escravidão foi desde então o único pensamento governamental do Império”.

A 19 de março de 1888, um mês e meio antes do ato da “redentora”, como Isabel era conhecida, Patrocínio disse que “todas as preocupações do país se resumiam na conservação desse hediondo regime que exauria insensivelmente a riqueza e a alma nacional, parecendo, entretanto, civilizar uma e desenvolver a outra.”

Prenunciando o futuro chegou a dizer algo que, adequando as palavras ao nosso tempo, pode perfeitamente ser ajustado à política partidária, sobretudo a representada hoje no Congresso Nacional.

“Nenhum partido fez da abolição o seu programa de ação, o dogma fundamental da sua igreja política. A reforma do elemento servil foi sempre um capítulo de programa de oposição, mas nunca absorveu os espíritos de modo a ser impor como primeira das suas obrigações governamentais.”

O filho da escravizada Justina Maria com o padre Monteiro sabia frigir os poderosos, defensores de próprios interesses, que se locupletavam, com artimanhas, nos gabinetes palacianos.

Mais de um século depois a abolição continua falha e falsa, parada no tempo. O racismo impera, denunciado por pessoas negras; cargos públicos, no Judiciário e no Parlamento, continuam ocupados por pessoas brancas, enquanto comunidades, subúrbios e periferias mantém-se como guetos onde os ditos afrodescendentes insistem em não morrer. Até quando?



Fonte ==> Folha SP

Leia Também

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *