Apesar de todo o sucesso de “Ainda Estou Aqui”, que já levou mais de 3 milhões de pessoas aos cinemas no Brasil. Embora todo o desempenho internacional do filme e as três indicações ao Oscar. Ainda que os livros de Marcelo Rubens Paiva, autor do romance que deu origem ao longa-metragem de Walter Salles, estejam nas listas de mais vendidos. Mesmo assim, uma de suas publicações recentes desapareceu e já não pode mais ser lida. E pior —trata-se de um título para crianças e jovens, disponibilizado gratuitamente e premiado pelo Jabuti.
Estamos falando de “O Menino e o Foguete”. A história foi ilustrada pelo também premiado Alexandre Rampazo e lançada pelo projeto Leia com uma Criança, do Itaú, como parte de uma coleção de 13 livros digitais que podiam ser baixados gratuitamente no site do programa. Podiam. Atualmente, nenhum deles mais está acessível para os leitores.
No texto de Rubens Paiva, lançado em 2016, conhecemos um menino que ganha um irmão e vê sua rotina ser transformada pelo novo membro da família. Até que, certa noite, o garoto entra dentro de uma luminária em forma de foguete antes de dormir. É então que o objeto treme. Tem início uma contagem regressiva. Em poucos segundos, o personagem está explorando o espaço e vendo de perto os planetas vizinhos à Terra e a sua grande paixão: a Lua.
A obra, que alia ciência a uma profunda sensibilidade ao abordar temas como amadurecimento, solidão e mudanças durante a infância, é uma das raras histórias do escritor para crianças. Além de “O Menino e o Foguete”, o autor de “Feliz Ano Velho” transita pouco pela literatura infantojuvenil, tendo lançado em 2014 pela Companhia das Letrinhas “1 Drible, 2 Dribles, 3 Dribles: Manual do Pequeno Craque Cidadão”, parte de um projeto da banda Pequeno Cidadão, que reúne Arnaldo Antunes e Edgard Scandurra.
Já os outros livros digitais do Itaú também são assinados por nomes de peso da literatura brasileira, como Luis Fernando Verissimo, Conceição Evaristo, Antonio Prata, Adriana Carranca, Adriana Falcão, Fernanda Takai e outros. Nenhuma das publicações está mais no site do projeto, que venceu o prêmio Jabuti na categoria Infantil Digital em 2017, um ano após o lançamento das primeiras obras.
Questionado se os títulos voltarão a ser disponibilizados gratuitamente aos leitores, o Itaú afirma que “os programas do Leia com uma Criança, incluindo a Estante Digital, estão passando por um processo de análise e, por enquanto, não estão disponíveis”. Mas a instituição acrescenta que, apesar disso, outras opções literárias audiovisuais podem ser acessadas neste link. Além das versões digitais, o projeto já distribuiu mais de 60 milhões de livros impressos no Brasil desde 2010.
Mas surge uma questão a partir daí. Num mundo cada vez mais digital, online e integrado a ferramentas de inteligência artificial, como fazer com que obras digitais de qualidade simplesmente não desapareçam? Afinal, a sensação de eternidade dentro do universo tecnológico não passa disso mesmo, de uma sensação. Tudo está a um clique de ser deletado, transformado ou burocraticamente “descontinuado” —o Orkut e o Twitter estão aí para provar.
Quando falamos de livros físicos, é claro que as editoras até podem tirar um título de catálogo, mas bibliotecas e sebos surgem como opções valiosas na hora de encontrar publicações antigas ou que já não estão nas estantes das livrarias.
O que fazer, porém, no caso dos livros digitais? Como evitar que uma história infantojuvenil de Conceição Evaristo evapore? Como ter acesso a histórias deletadas sem cair na pirataria? Como garantir que um dos raros escritos de Marcelo Rubens Paiva para crianças ainda esteja por aqui, sobretudo num momento em que “Ainda Estou Aqui” se tornou um dos maiores fenômenos culturais e políticos dos últimos anos?
Fonte ==> Folha SP