20 de março de 2025

Aldir: condenado a dormir na sala após suspeita de pesca falsa – 21/01/2025 – Praça do Leitor

Aldir: condenado a dormir na sala após suspeita de pesca falsa - 21/01/2025 - Praça do Leitor

Quando Aldir voltou para casa, Juliana foi inspecionar os pescados e, ao encontrar código de barras e recibo de mercado, logo instaurou a CPI. Condenado a dormir na sala e convidado a explicar a pesca de piranha, Aldir sentiu-se acuado, como se houvessem encontrado batom na cueca. Isto, por sorte, Juliana não viu.

Ele tratou de sair de casa com a mesma roupa com a qual chegou, e ao sinal do primeiro terreno baldio, parou o carro, trocou-se dentro do veículo e correu para o fundo do local, onde deu cabo das peças, únicas testemunhas do crime contra o matrimônio.

De volta à calçada, pega a chave e vai abrir a porta. A porta não abre. O carro não está. Chuta o ar carregado de fúria, desequilibra-se e cai, manchando a roupa recém-trocada. Só faltava ser atingido por um avião prestes a pousar em Guarulhos. Saiu correndo na esperança de encontrar o carro e o miserável que o levara. O que encontrou foi um policial. “Nome? Idade? Residência?”, perguntou o oficial, monossílabo (e mais alto que o Copan). “Queixa? RG? CPF? O que fazia?”, continuou.

O que fazia, pensou Aldir; estava em maus lençóis. O interrogatório começou. Saudades de Juliana. “Voltava da igreja”, respondeu Aldir. “Que igreja? Não tem igreja aqui”, insistiu o policial. Ele engoliu seco. “Novena, na casa de um amigo.” “Já passou o Natal“, questionou ainda o policial.

Aldir esteve em uma novena há vinte e dois anos. Agora era um bom momento para retomar a fé abalada pela cachaça e as piranhas, pensou. “Desculpe, mas tenho que levar o senhor à delegacia.”

Veio a esposa Juliana e o sobrinho recém-formado. Dieguinho estava empolgado com o primeiro caso criminal e o terno azul-marinho que ganhara da avó no natal. “Advogado e santo de família”, pensou Aldir.

Uma profissional desaparecera na região onde Aldir fora detido. As marcas na roupa indicavam luta. Era o principal suspeito. “Espera aí! Eu perdi meu carro!”

“E ganhou uma acusação de assassinato!”, ouviu.

“Aldir! O que você fez?”, perguntou a mulher. “Eu? Eu? Olha para mim, Juliana!”

“Eu não acredito! Onde você chegou? Bem que mamãe dizia… Seu canalha! Me diz que você não fez isso! Me diz! Me diz, homem!”, repetiu. “Eu não fiz nada!”

“É mentira! Mentira!”

“Senhora, vou pedir que modere o tom aqui na delegacia”, disse o policial. “Eu cuido dela, oficial! Titia, acalme, por favor!”, disse Dieguinho, dirigindo-se à tia. “Me acalmar, Di? Como me acalmar? Este animal!”, respondeu. “Calma, ele é inocente, até que se prove o contrário.”

“E precisa de maiores provas? Este animal chegou em casa dizendo que voltava da pesca, quando encontrei códigos de barras e cupom fiscal! Tinha comprado tudo no mercado”, disse Juliana.

“Isto é ótimo!” Compararam o horário da compra do peixe no mercado e a hora do fatídico fim da moça assassinada. Aldir tinha um álibi forte. Liberado, voltou para casa e foi dormir no sofá. Adormecia maravilhosamente. Mas suas noites eram sempre interrompidas, com aquelas visões de Juliana com uma faca, a tirar-lhe o fígado, até explicar melhor o local e os instrumentos da “pesca”.


Nathan Felipe Santos, premiado pela AMLAC (Vinhedo, SP), formando em Letras pela Unifaccamp, é autor independente de poesia e novelas literárias, autor de “Sentimental”, “Mensageiro das sombras” e “Amor Fati – O fracasso da razão”. Reside em Jundiaí, onde cultiva a sua literatura absurda.

O blog Praça do Leitor é espaço colaborativo em que leitores do jornal podem publicar suas próprias produções. Para submeter materiais, envie uma mensagem para leitor@grupofolha.com.br



Fonte ==> Folha SP

Leia Também

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *