23 de abril de 2025

Além da doença: pacientes e profissionais de saúde enfrentam escassez de insumos e remédios no Inca


Médicos e o pessoal da enfermagem não têm tido nem mesmo luvas cirúrgicas, cateteres e esparadrapo O Instituto Nacional de Câncer (Inca), referência no tratamento oncológico no Brasil, enfrenta uma grave crise de abastecimento de medicamentos e insumos básicos desde janeiro deste ano. Profissionais de saúde denunciam que a escassez está resultando em atrasos nas altas hospitalares, dificultando a liberação de leitos e, em alguns casos, ameaçando a saúde dos pacientes. Faltam remédios essenciais não apenas para o tratamento do câncer, mas para o controle de sintomas e complicações da doença.
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A lista de medicamentos em falta é extensa: morfina, fentanil e baclofeno, fundamentais para o controle da dor, além de antibióticos e até insulina. Os riscos de complicações intestinais aumentam sem as opções de lactulose e loperamida. Médicos e o pessoal da enfermagem não têm tido nem mesmo luvas cirúrgicas, cateteres e esparadrapo. A ausência de cateter venoso central, por exemplo, compromete o suporte a pacientes críticos. Diante da carência, famílias de pacientes têm tido que arcar com despesas inesperadas para garantir os medicamentos necessários.
O drama dos doentes
Além de enfrentar a dura batalha contra a doença da filha, Anatiele Rodrigues, de 32 anos, lida com a incerteza do tratamento. Ela e Sayrah, de 9 anos, viajam toda semana oito horas de Macaé até o Inca, na Praça da Cruz Vermelha. Desde janeiro, o instituto não fornece prednisona, um remédio essencial para continuidade do tratamento da criança — que tem um tumor na cabeça — e que custa R$ 15 na farmácia.
— O Inca não quer comprar a medicação. Eles dizem que está em falta desde janeiro. Minha filha tem que tomar todos os dias, não pode ficar sem, pois é reposição hormonal. A saída tem sido comprar por nossa conta; são duas caixas todos os meses — lamenta a mãe.
Roberto Fernandes, de 62 anos, também é paciente do instituto e está em fase final de recuperação. Mas, como perdeu 40 quilos durante o tratamento, ele precisa de um suplemento alimentar para recuperar peso. Inicialmente, foi fácil conseguir a medicação prescrita, mas, nas últimas vezes, o idoso conseguiu apenas uma dose menor.
— Antes, a médica me receitava o suplemento de que eu precisava, e eu conseguia retirar na farmácia do instituto. Nas duas primeiras vezes, foi bem tranquilo. Mas, agora, só estou conseguindo o mais leve. Eles dizem que não têm a versão mais forte, que faria efeito mais rápido — relata o aposentado.
A dona de casa Ana Júlia Macedo, de 33 anos, que trata um câncer de pele há um ano e meio, enfrentou um episódio ainda mais crítico. Em janeiro, ao iniciar um procedimento de quimioterapia, sofreu com dores intensas, mas não havia morfina na unidade da Cruz Vermelha. Sem outra opção, teve que comprar o remédio numa farmácia fora, gastando R$ 74,71.
— O atendimento do Inca é maravilhoso, mas o hospital vem sofrendo com a falta de remédios e médicos. Fiquei semanas sentindo dor até conseguir acesso à medicação — diz.
Aos 58 anos, Eliane Tavares luta contra um câncer no pulmão. O uso do cateter nasal de oxigênio sempre foi essencial para ela, mas, em sua última internação, foi surpreendida pela falta do insumo:
— Passei uma noite inteira sem conseguir respirar direito. O hospital tentou improvisar com outro material, mas não era adequado. Fiquei apavorada, achando que não ia aguentar.
O diretor-geral do Inca, Roberto de Almeida Gil, nega que a unidade esteja enfrentando uma crise, mas reconhece dificuldades de abastecimento.
— Alguns desses medicamentos fazem parte de grandes programas do SUS e são comprados em escala pelos governos (estaduais e municipais). Quando tentamos adquiri-los para o Inca, que compra em menor volume, às vezes não há interesse dos fornecedores, e a licitação dá “deserta” — explica.
Segundo ele, o hospital tem buscado fazer a substituição de itens e reestruturar os fluxos internos. No entanto, acrescenta, há entraves burocráticos que dificultam a reposição rápida dos produtos:
— Somos obrigados, por lei, a reapresentar o processo quando uma licitação dá “deserta” e tentar a mesma compra pelo mesmo valor. Se não conseguimos, fazemos compras emergenciais, mas isso não pode ser regra.
Roberto Gil afirma que há desafios na gestão orçamentária. O Inca recebeu uma verba de R$ 469 milhões para 2025, sendo R$ 184 milhões destinados à compra de insumos e medicamentos — um aumento em relação a 2024, quando o hospital gastou R$ 160 milhões.
— Sempre teremos desafios orçamentários e decisões difíceis a tomar. Precisamos pensar no conjunto de pacientes e na essencialidade dos medicamentos. Não podemos escolher o ótimo, mas o bom — conclui.
O número de procedimentos oncológicos no Inca caiu 22% desde a pandemia. De 2017 a 2025, foram realizadas 61.866 consultas, cirurgias e procedimentos com um pico de 8.984 em 2019. Desde então, a quantidade de atendimentos se manteve abaixo do que era, reduzindo a média anual de 8.800 para 6.800 procedimentos, segundo dados do Data SUS.
A redução do número de internações também preocupa. No Hospital do Câncer II, no Santo Cristo, por exemplo, há 83 leitos, mas apenas 39 estão sendo usados — um índice de 46% de ocupação. No Hospital do Câncer I, na Cruz Vermelha, o maior do instituto, 43 leitos estão impedidos, resultando em uma ocupação de 65%.
Fila cruel
Enquanto isso, quem descobre estar doente tem dificuldade de conseguir atendimento especializado, como o oferecido pelo Inca. A lei federal 12.732/2012 garante aos pacientes com câncer o direito ao primeiro tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS) em até 60 dias. Mas, na prática, não é isso o que acontece. De acordo com dados do Sistema Estadual de Regulação (SER), 780 pacientes esperam há mais de 60 dias pela primeira consulta. No ano passado, a fila chegou a ter 900 pacientes.
Procurado, o Ministério da Saúde informou que o Inca é que passaria informações. Em nota, o instituto explicou que é responsável por fazer as próprias compras de insumos e medicamentos. Assim como Roberto Gil alegou, o texto afirmou que “a baixa demanda do Inca frente aos programas nacionais de compra não é atraente para os fornecedores, que buscam vender diretamente grandes volumes para as secretarias estaduais e municipais”. Acrescentou que medicamentos em falta estão sendo substituídos por outros equivalentes.



Fonte ==> Folha SP e Globo

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