1 de dezembro de 2025

Após tragédia, Jamaica tem reconstrução que não se vê – 30/11/2025 – Bianca Santana

Menina negra vestindo camiseta regata amarela segura caderno em meio a destroços de uma casa vermelha destruída. Ao redor, roupas, mochilas e objetos pessoais espalhados. Céu azul e árvores secas ao fundo.

A morte de Jimmy Cliff, cujas músicas ajudaram a espalhar o reggae e a cultura jamaicana pelo mundo, me parece especialmente dolorosa no momento em que a ilha se vê destruída.

O furacão Melissa atingiu a Jamaica em 28 de outubro como um ciclone de categoria 5, um dos mais fortes já registrados no país e a tempestade mais forte do ano em todo o mundo. Inundações e deslizamentos assolaram muitas regiões, sobretudo no oeste da ilha.

Pelo menos 45 pessoas morreram, e 15 continuam desaparecidas. Aproximadamente 30 mil famílias foram deslocadas, mais de mil pessoas permanecem em abrigos, e a destruição de casas, estradas, redes de energia e água deixou boa parte da população sem acesso a serviços básicos. Estima-se que os danos físicos somem bilhões de dólares e que podem chegar a um terço do PIB anual do país.

Estive na Jamaica no início do ano. Vi de perto uma cultura de enorme força espiritual e orgulho pela própria história, mas também desigualdades profundas e serviços públicos que já não davam conta de necessidades básicas de parte da população. O Melissa escancarou e ampliou um cenário que já era de precariedade para muitas pessoas.

A jamaicana Shellie-Ann Kerns vive em Dallas, nos Estados Unidos, e acompanhou à distância a chegada do furacão e a angústia de familiares e amigos na ilha. Entre mensagens e ligações interrompidas, percebeu que faltava mais que comida, telhado e roupas. Em conversa com a irmã psicóloga, veio a constatação de que a saúde mental precisa estar no centro de qualquer esforço de reconstrução.

Foi assim que criaram a Yaadi Strong, iniciativa que mobiliza voluntários para oferecer apoio psicológico e segurança emocional a crianças e adultos atingidos pelo desastre. O grupo reúne mais de 30 pessoas, de psicólogos e terapeutas a professores de ioga, educadores e músicos, todos dispostos a escutar, acolher e construir rotinas minimamente seguras em meio aos escombros. Parte dos atendimentos é online, mas cerca de metade dos voluntários atua presencialmente onde a internet é instável ou não existe.

A Yaadi Strong organiza sessões de terapia, distribui brinquedos sensoriais e promove atividades de acolhimento para crianças que ainda não conseguiram voltar à escola.

“Não é só para ajudar crianças a recuperarem a sensação de segurança que atuamos. É também para permitir que os pais compreendam que não precisam fingir força”, diz Shellie-Ann. Tudo o que ela me disse para esta coluna ecoa resultados de pesquisas que mostram como, depois de desastres naturais, crianças e adolescentes podem desenvolver sintomas de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão em níveis elevados, especialmente nos primeiros meses. Os mesmos estudos indicam que intervenções de apoio psicológico ajudam a reduzir esses efeitos de longo prazo.

Ao reconhecer o sofrimento psíquico de quem sobreviveu ao furacão e oferecer caminhos de escuta e acolhimento, o trabalho da Yaadi Strong insiste em que a reconstrução não deve se restringir a telhas e postes de luz. É preciso cuidar para dormir sem sobressaltos ou medo do vento. Quem sabe, assim, jamaicanas e jamaicanos voltem a ver claramente, como cantou Jimmy Cliff, agora que a chuva passou, que os obstáculos se foram.



Fonte ==> Folha SP

Leia Também

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *