As ruas e bares de Fabrício Corsaletti – 05/06/2025 – Daniel de Mesquita Benevides

As ruas e bares de Fabrício Corsaletti - 05/06/2025 - Daniel de Mesquita Benevides

Há muitos bares e quase nenhum coquetel em “Um Milhão de Ruas”, livro divertidíssimo reunindo as crônicas do poeta Fabrício Corsaletti. Em compensação, há rios de cerveja e córregos de conhaque, vodca e pinga. (E uma lagoa de vinho Natal — R$15).

Logo de cara, somos transportados para o Simpatia 105, bar onde quatro amigos elegem “o maior verso da música brasileira”. Ou tentam eleger. Bebendo e papeando, os versos vão desfilando: “é pau, é pedra, é o fim do caminho”, “existirmos: a que será que se destina”, “você me abre seus braços e a gente faz um país”…

Indeciso, Fabrício é atacado por soluços, essa coisa que provoca solavancos e corta as frases no meio.

É o que o autor chama de “vírgula diafragmática”, que, no papel, vira síncope sintática, com palavras interrompidas e imprecações engraçadas (“odeio soluço”).

É o único momento em que há esse estampido súbito entre as palavras —e por uma boa razão. No mais, a prosa de Corsaletti corre insoluçada, macia, escorreita, com brilhos de epifanias em meio a deliciosas vira-latices. Há lirismo onde menos se espera, nas miudezas, na vida besta, e uma saudável falta de solenidade nos grandes temas.

Flâneur beatnik do velho oeste paulista, Fabrício perambula por regiões de topografia afetiva, seja em Paris, Santiago ou Santo Anastácio, onde, por um acaso feliz de harmonia, o mundo se encaixa —e dá uns rodopios. “Escrever é como andar”, pontua. Poderia ser “como beber”, a julgar pelos inúmeros levantamentos de copo nas páginas.

A sede é física e, às vezes, metafísica, Baudelaire que o diga. Do florista do mal, Fabrício parafraseia o mote “é preciso estar sempre bêbado”. “De Campari, de gin ou de Fernet.” E de tantas outras poções. Também “é preciso não dar ouvidos ao demônio da ressaca —mostrar quem manda”.

No bar Mastroianni do autor (que bem poderia existir fora do papel) bebem poetas, putas, amigos, professoras de química, namoradas, o pai, as mulheres do sabonete Araxá, o fantasma de Nicanor Parra e o vulto de Bob Dylan. Nada do que é humano lhe é sem interesse. Assim como as cidades, tanto as feias como as bonitas.

Uma das crônicas chama-se “Cocktail”. É das mais engraçadas. O título refere-se, na verdade, a uma boate em Presidente Prudente. Nem pensar em dry martíni, o negócio é cerveja. O que se segue é muita trapalhada e uma perseguição tarantinesca. Na mesma toada, tem o concurso de vodca com Fanta. Quem bebe mais?

“Um uísque é um uísque é um uísque, mesmo nos universos paralelos”, filosofa enquanto joga bingo. Depois, vai com os amigos beber no Dores da Alvorada. Quando caminha pela ladeira da Augusta, espera ouvir “o chamado do bar certo na hora certa”. Se tiver uma aldrava dourada na porta, melhor. Ah, há “bloody marys que curam qualquer coisa”, até “lágrimas de tequila”.

O capitán aparece no lendário bar Cordano, em Lima, onde já beberam os poetas César Vallejo, Allen Ginsberg e Antonio Cisneros. Você se instala diante do coquetel local e “quase pode ver outras dimensões”.

El capitán

60 ml de pisco

30 ml de vermute doce

Um lance de Angostura

Mexa os ingredientes com gelo e coe para uma taça coupe sem gelo. Decore com uma azeitona



Fonte ==> Folha SP

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