Na sexta-feira (8), esta Folha publicou o artigo “Quem tem medo do Pix?”, do advogado Luciano Benetti Timm, com críticas ao sistema instantâneo de pagamentos concebido e implementado pelo Banco Central do Brasil.
Em breve síntese, o autor sugere que o Pix, por ser administrado e operado pelo Estado, é capaz de gerar assimetrias competitivas em desfavor de empresas privadas, já que se trata de um sistema público que pode correr riscos ou acumular perdas —privilégios que seus competidores privados não têm. Por subverter a concorrência, o Pix monopolista teria despertado uma reação do governo dos Estados Unidos, que passou a investigá-lo como prática comercial desleal do Brasil.
Um primeiro equívoco do autor é supor que há justa causa na ação do governo norte-americano. Desde sua primeira gestão, Donald Trump deu início a uma guerra mercantilista, de viés autocrático, contra diversos países. Entre as primeiras vítimas estavam as regras globais de comércio.
Em seu primeiro mandato, comprometeu o funcionamento da OMC —órgão internacional encarregado de julgar práticas desleais e injustas de comércio entre os países— ao recusar a indicação de membros para instâncias da organização, travando, com isso, o seu funcionamento.
Agora, Trump extrapolou a guerra comercial fazendo da pressão da ameaça e da imposição real de sanções e de boicotes uma nova forma de diplomacia econômica ostensivamente orientada para a coerção. É nesse contexto de uma diplomacia da agressão que procura sitiar a economia brasileira que devemos situar a conversa e a ofensiva sobre o Pix.
O artigo também apresenta equívocos relevantes sobre a natureza do modelo. Primeiro, trata o sistema instantâneo de pagamentos como se fosse uma “intervenção econômica ativa e normativa, típica de economias com forte presença estatal”. Sugere, assim, que o Estado brasileiro está “competindo” diretamente com empresas brasileiras, como se o Pix fosse uma empresa voltada para o lucro e não uma infraestrutura destinada a oferecer uma utilidade pública aos cidadãos.
Para o autor, é como se a ação do Estado na economia fosse algo excepcional e não a regra. Mesmo em diversos países ricos e desenvolvidos, a realidade nos mostra que é o oposto: a ação reguladora do Estado é constitutiva da economia e do capitalismo, não um fator a ele exógeno. No caso concreto, o BC, de modo inovador, criou uma modalidade de pagamento, moldando um novo mercado —na expressão do economista prêmio Nobel Paul Krugman, uma nova forma de moeda. Esta nova “moeda” não atrapalha ou concentra a economia brasileira, muito pelo contrário.
Entre 2018 e 2023, o Pix esteve relacionado a uma significativa inclusão financeira. O mercado bancário registrou um aumento do número de clientes pessoas físicas, que passaram de 77,2 milhões para 152 milhões. O número de transações e o volume de recursos movimentados pelo conjunto do sistema bancário e de pagamentos também vêm crescendo anualmente de forma consistente. Em 2024, foram realizadas 63,8 bilhões de operações, o que representa uma alta de 52% em relação ao ano anterior.
Tais resultados estão associados à rápida disseminação do Pix, que se explica antes de mais nada pela qualidade do produto oferecido, não por coerção regulatória. Trata-se de um sistema de pagamentos mais rápido, mais barato e de mais fácil acesso do que outras modalidades alternativas. Essas características tornaram o Pix promotor (e não inibidor) de competição em mercado.
Como infraestrutura pública, tem fomentado, ainda, mais inovação ao ter suas funcionalidades integradas a novos serviços financeiros oferecidos, como as fintechs, por exemplo, que o têm utilizado para competir no ainda bastante concentrado mercado bancário brasileiro. Da mesma forma, empresas têm difundido o uso do Pix em praças internacionais, como é o caso dos EUA.
Os ganhos agregados são evidentes e, ressalta-se, com isso não se ignora a importância de discussões em torno do potencial de aperfeiçoamento de sua governança e arranjo regulatório. As questões reais em jogo são: o que se ganharia sem o Pix? Que benefícios sua eventual privatização trariam? Os anos que o antecederam são uma resposta inequivocamente convincente: voltaríamos a um mercado oligopolizado, de baixa competição, altas barreiras à entrada, com serviços de pagamentos caros e menos inclusão bancária.
Uma outra pergunta, que remete à economia política por trás do ataque ao Pix, é: a suposta magia da concorrência favoreceria a quem? Os críticos não respondem, mas sabemos que certamente não seriam os consumidores.
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Fonte ==> Folha SP