Bianca Santana: Censo dos EUA pode apagar afro-latinos – 08/06/2025 – Bianca Santana

Um grupo de pessoas participa de um protesto à noite, segurando cartazes e bandeiras. No centro, duas jovens seguram uma bandeira que combina elementos dos Estados Unidos e do México. Os cartazes têm mensagens como

Dados do censo orientam políticas públicas, e disso todo mundo sabe. E os diferentes países agrupam suas populações de acordo com critérios e necessidades próprias. Nos Estados Unidos, até alguns meses atrás, quem se autodeclarava latino na pergunta sobre etnia respondia depois a outra pergunta sobre raça.

Mesmo que a raça humana seja uma e que na biologia não existam diferenças raciais entre as pessoas, como existe racismo, raça é uma categoria sociológica e política importante para nomear e enfrentar as desigualdades. Era possível há pouco, depois de se autodeclarar latino, escolher entre raça branca, preta, nativa americana, asiática ou “alguma outra”.

Com ambas as perguntas, etnia e raça, tem sido quantificada a população afro-latina nos Estados Unidos. De acordo com o último censo, há 1,2 milhão de afro-latinos no país, número contestado por pesquisadores que estimam seis milhões de pessoas —e que agora estão ainda mais preocupados.

Isso porque no último mês de março, o governo anunciou que no censo de 2030, as duas perguntas serão fundidas em uma: “qual a sua raça e/ou etnia?”

Se antes as experiências específicas de afro-latinos não eram suficientemente visíveis por quem formula e executa políticas públicas, o risco agora é de apagamento dos dados sobre a população negra latina.

Raça não é etnia. Enquanto etnia diz respeito à origem cultural e linguística, raça diz respeito a características fenotípicas e à forma como essas características moldam experiências sociais.

Ativistas têm alertado para o fato de que unificar as duas categorias pode levar muitos latinos a simplesmente marcarem apenas o campo latino, sem se declararem negros. Com isso, afro-latinos desaparecem das estatísticas oficiais e somem também das políticas públicas de enfrentamento ao racismo.

Uma mudança vista como positiva por especialistas é a criação da categoria Mena —Middle Eastern or North African (do Oriente Médio ou do Norte da África)— para agrupar pessoas que falam árabe, como libaneses, egípcios, palestinos, sírios, argelinos, mas também iranianos, israelenses, assírios, curdos. Até aqui, a classificação para este grupo era branco, o que dificultava ainda mais compreender suas necessidades específicas.

Para buscar políticas de equidade e justiça, dados raciais precisam ser cada vez mais precisos, não menos. Invisibilizar afro-latinos nos números significa também apagar vivências atravessadas pelo racismo e pela xenofobia, experiências que impactam diretamente o acesso à moradia, à educação, à saúde, ao trabalho e a tantos outros direitos fundamentais.

O desafio do próximo censo dos Estados Unidos não é simplificar o complexo, mas aprimorar os modos de reconhecer diferenças e especificidades com responsabilidade e compromisso democrático.

Mesmo na gestão de Donald Trump, e em qualquer outra, o que está em jogo é a capacidade de um Estado reconhecer os que compõem sua população e agir a partir disso. Porque onde faltam dados, faltam políticas públicas e sobram desigualdades.



Fonte ==> Folha SP

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