O Brics alcançou nesta semana um passo inédito: aprovou sua primeira estrutura conjunta de financiamento climático. Pela primeira vez, o grupo formaliza prioridades comuns para pressionar por reformas nos bancos multilaterais, ampliar o financiamento com condições favoráveis e atrair capital privado à causa ambiental. É, sem dúvida, o maior gesto coordenado do bloco nessa agenda até hoje.
A importância disso vai além do conteúdo técnico. O pacto representa o amadurecimento de uma coordenação que, até 2023, era apenas embrionária. A atuação conjunta do Brics na diplomacia do clima remonta ao grupo Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China), ativo desde os anos 1990, mas sempre informal e reativo. Faltava uma estratégia propositiva —e agora ela começa a tomar forma.
A Declaração de Kazan, de 2024, já havia sinalizado essa inflexão. O documento rejeitou o uso de argumentos ambientais para justificar o protecionismo comercial e colocou o Acordo de Paris no centro da ação coletiva. A nova estrutura reforça essa direção e deve servir de base para a atuação do bloco na COP30, em Belém.
Mas esse avanço não nasce do nada. É fruto de uma conjuntura em que o vácuo de liderança climática global se aprofunda, conforme os EUA se retiram do debate e a Europa permanece paralisada diante do protecionismo e a falta de consenso interno. As promessas de US$ 100 bilhões anuais feitas pelos países ricos desde 2009 jamais foram plenamente cumpridas, e o Sul Global continua exposto, com poucos recursos e muitas demandas. O Brics se aproveita dessa lacuna para construir legitimidade.
A proposta brasileira de mobilizar US$ 1,3 trilhão até 2035 por meio do “Roteiro Baku-Belém” é o eixo dessa estratégia. A ela se soma o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que propõe uma lógica inovadora de atração do mercado, remunerando países que preservam suas florestas por meio de instrumentos de investimento, não de doações diretas.
O desafio, contudo, está na implementação. O Brics permanece um arranjo informal, sem institucionalidade robusta, e com interesses muitas vezes conflitantes. A Rússia depende da exportação de petróleo e gás; a Índia resiste a compromissos de descarbonização acelerada; a China, embora líder em energias renováveis, ainda investe pesadamente em carvão. No Brasil, como sabemos, seguimos com a distância entre o discurso ambiental e os vetores políticos que sustentam o agronegócio.
A expansão recente do bloco também impõe novos dilemas, aumentando o peso político, mas dificultando o consenso que será condição básica para avanços: sem tratados nem regras compulsórias, tudo depende da disposição de cooperar. A disposição até existe, mas negociações climáticas têm mostrado que os limites são evidentes.
China, terra do meio
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Ainda assim, há algo qualitativamente novo. A criação de um laboratório conjunto para monitorar o impacto de políticas climáticas no comércio, o esforço para compartilhar tecnologias verdes e o investimento em plataformas de pesquisa sinalizam uma tentativa de construir um ecossistema próprio de governança climática, à margem das regras ditadas pelo Norte.
A atuação do Brics não resolverá sozinha o déficit estrutural do financiamento climático global, mas pode deslocar o eixo das negociações. Se souberem equilibrar ambição com pragmatismo, e cooperação com soberania, os países do bloco têm a chance de fazer da COP30 mais que um palco simbólico. Podem transformá-la em um marco de virada —para si mesmos e para o Sul Global.
Fonte ==> Folha SP