Adoro quando me convidam para dar palestra em reuniões científicas, porque em geral quem acaba aprendendo de montão sou eu. Da plateia do retiro anual do departamento de neurobiologia da Universidade de Pittsburgh, fiquei boquiaberta com os gráficos mostrados por Nicole Scheff que documentavam que tumores na língua de ratos não crescem se não receberem CGRP dos nervos sensoriais. O que Nicole disse, em seus dois minutos de micropalestra, era nada menos que um prenúncio da cura do câncer.
Fiz notas mentais —nervos sensoriais em tumores e que ainda por cima liberam CGRP, em vez de apenas responderem ao CGRP local?— e aproveitei as mais de duas horas de carona de volta a Pittsburgh para fazer minhas perguntas. Quem dirigia era o próprio Brian Davis, o responsável pela descoberta original em 2016 de que, sem inervação sensorial, o que seria inevitavelmente um câncer letal no pâncreas de camundongos mal chega a crescer. Oi? Já sabemos como curar câncer no pâncreas e basta silenciar um nervo?
Voltemos ao começo para a história fazer sentido. O que fazem nervos sensoriais em tumores, que são crescimentos desordenados e descontrolados de células que de outra forma estariam quietinhas em seus órgãos, cuidando de suas próprias funções e nada mais?
A resposta é mais um exemplo de anti-Darwinismo à la Suzana: nervos crescem para dentro de tumores simplesmente porque eles podem, oras, e não porque isso serve para alguma coisa. O ambiente tumoral é altamente convidativo para as terminações nervosas na área, cheio de fatores de crescimento que promovem a extensão de novos brotos dos nervos que já estavam no local —e sempre tem nervos em qualquer local do corpo, exceto quando o local é o cérebro.
É justamente por isso (agora eu sei) que câncer dói: porque os tumores têm inervação sensorial e a sopa de fatores tumorais, além da inflamação local e da compressão do nervo conforme o tumor cresce, acaba servindo de estímulo sensorial que o cérebro lê como dor. Um dos fatores inflamatórios é o CGRP, sabidamente o grande responsável pela dor crônica mediada por inflamação, como a dor da enxaqueca.
O que Brian Davis descobriu inesperadamente é que a inervação do câncer no pâncreas contribui crucialmente para o crescimento do câncer —e o mediador do crescimento do câncer é justamente o CGRP liberado pela inervação sensorial. São os nervos que ajudam o câncer a crescer.
Ao contrário do que a gente aprende na escola, nervos sensoriais não apenas “escutam”; a terminação de um nervo sensorial sobre seu órgão-alvo é um axônio, com vesículas sinápticas em seus terminais e, quando o terminal é ativado, causando o potencial de ação que é transmitido nervo acima ao cérebro, o conteúdo das vesículas sinápticas é liberado no local.
Como nervos sensoriais no interior do corpo produzem CGRP, a ativação de terminais sensoriais em um tumor causa liberação de CGRP no local —onde o CGRP, por sua vez, cria um microambiente favorável ao crescimento do tumor, donde a progressão rápida do câncer do pâncreas, sempre profusamente inervado.
Cânceres, quem diria, crescem rápido quando usam os nervos ao mesmo tempo como microfones e autofalantes, num efeito de microfonia fadado à catástrofe. Para erradicar um câncer é preciso tirar-lhe a voz. Está sendo uma boa semana para isso…
Referências
Davis BM, McIlvried LA, Saloman JL, Nilsen ML, Scheff NN (2025) Rethinking relief: Targeting sensory neurons to combat câncer and pain. Cancer Cell,
Saloman JL, Albers KM, Li D, Hartman DJ, Crawford HC, Muha EA, Rhim AD, Davis BM (2016) Ablation of sensory neurons in a genetic model of pancreatic ductal adenocarcinoma slows initiation and progression of cancer. Proc Natl Acad Sci USA 113, 3078-3083.
Fonte ==> Folha SP