A brutal agressão sofrida por uma jovem no Rio Grande do Norte, que levou mais de 60 socos do então namorado dentro de um elevador, chocou o país e voltou a expor uma realidade dura:
A violência contra a mulher continua sendo um dos maiores desafios sociais do Brasil. O episódio, registrado pelas câmeras de segurança, deixou marcas físicas e emocionais, mas também reforça a urgência de discutir medidas práticas de prevenção e proteção.
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2024 o país registrou mais de 1.400 casos de feminicídio e mais de 245 mil boletins de ocorrência de violência doméstica. Esses números revelam que, apesar dos avanços legislativos — como a Lei Maria da Penha e a tipificação do feminicídio —, ainda há um longo caminho para garantir segurança plena às mulheres.
Para contribuir com esse debate, convidamos Kellen Cristina Correia Laporte, consultora de segurança e especialista em prevenção de riscos, com mais de uma década de experiência na Polícia Civil de São Paulo, incluindo atuação direta na Delegacia da Mulher. A especialista, que hoje também atua na formação de equipes corporativas e em consultoria jurídica preventiva, compartilha cinco medidas essenciais que toda mulher deve considerar para identificar sinais de alerta e reduzir o risco de chegar a situações extremas de violência.

Cinco medidas preventivas contra a violência doméstica, segundo KellenLaporte
1. Reconhecer os primeiros sinais de abuso psicológico e controle
“A violência raramente começa com agressões físicas. Normalmente ela se manifesta antes por meio de ciúme excessivo, tentativas de isolamento, humilhações verbais e controle do celular, das roupas ou das amizades”, explica Kellen. Identificar esses sinais precoces é essencial para interromper ciclos abusivos antes que se agravem.
2. Valorizar e acionar a rede de apoio
A especialista destaca que muitas vítimas sofrem em silêncio, por medo ou vergonha. “Compartilhar situações desconfortáveis com familiares, amigos ou colegas pode salvar vidas. Uma rede de apoio atenta consegue perceber a escalada do abuso quando a vítima, por vezes, já está fragilizada demais para reagir sozinha.”
3. Conhecer e utilizar os canais de proteção disponíveis
Ferramentas como o Ligue 180, as Delegacias de Atendimento à Mulher e os centros de referência de atendimento não devem ser acionados apenas em casos extremos, mas também diante de sinais iniciais de violência. “O conhecimento da rede de proteção deve ser encarado como um direito básico de cidadania, algo que todas as mulheres precisam ter de forma acessível e clara”, reforça Kellen.
4. Adotar estratégias tecnológicas de segurança
A era digital trouxe novas ferramentas de prevenção. Aplicativos de monitoramento, grupos de mensagens de confiança e até mesmo dispositivos como o botão do pânico — já implantado em alguns estados — podem ser aliados. “A tecnologia deve ser encarada como uma extensão da rede de proteção, desde que usada de forma consciente e preventiva”, comenta a especialista.
5. Preparar um plano de segurança pessoal
Segundo Kellen, muitas vítimas não conseguem reagir diante da violência por falta de preparo. “Manter documentos pessoais em local seguro, ter o celular carregado e planejar rotas de fuga ou locais de refúgio são medidas práticas que podem representar a diferença entre escapar ou ficar vulnerável em uma situação de risco.”
Um problema estrutural e cultural
A violência contra a mulher não é apenas uma questão criminal, mas também cultural. Pesquisas apontam que muitas vítimas levam anos até romper o ciclo abusivo, em parte porque o agressor intercala fases de violência com momentos de aparente arrependimento e afeto, confundindo emocionalmente a vítima. “É o chamado ciclo da violência: tensão, agressão, arrependimento e lua de mel. Muitas mulheres acreditam na promessa de mudança, mas sem apoio externo esse ciclo tende a se repetir indefinidamente”, ressalta Kellen.
Além disso, fatores como dependência financeira, medo de retaliação e falta de informação sobre direitos legais dificultam a denúncia. Para a especialista, a solução passa por três eixos fundamentais: educação preventiva, fortalecimento da rede de proteção institucional e empoderamento das vítimas.
Educação como ferramenta de transformação
Diversos países que conseguiram reduzir as taxas de violência contra a mulher investiram em programas de educação em gênero desde as escolas. Segundo Kellen, essa também deve ser a prioridade no Brasil. “Precisamos falar de respeito, igualdade e limites desde cedo. Quanto mais naturalizarmos a ideia de que homens e mulheres têm direitos iguais, menos espaço daremos para práticas abusivas no futuro”, afirma.
Ela reforça ainda que políticas de capacitação de policiais, servidores da justiça e equipes de saúde também são fundamentais para garantir atendimento humanizado e eficiente. “Não basta a vítima denunciar; é preciso que o Estado esteja preparado para acolher, orientar e agir com rapidez”, completa.
Conclusão
O caso da jovem espancada no Rio Grande do Norte é mais um alerta doloroso de que a violência contra a mulher continua sendo uma realidade urgente no Brasil. Mas, ao lado da indignação, ele também precisa gerar mobilização social e prática. Para KellenLaporte, a chave é unir prevenção individual com suporte coletivo:
“Quando uma mulher reconhece sinais de abuso, busca apoio e conhece seus direitos, ela já dá um passo para romper o ciclo. Mas é papel de toda a sociedade garantir que esse passo seja sustentado por uma rede eficiente de proteção. Segurança e dignidade não podem ser exceção; precisam ser regra.”