Na semana passada, eu argumentei neste espaço que 2026 tende a consolidar uma rivalidade sistêmica sino-americana. É chegado o momento, então, de discutir o cenário doméstico da China, um aspecto das análises de conjuntura usualmente ignorado dado o quão opaco é o sistema político por lá.
Se tudo correr como planejado, 2026 será o ano silencioso que vai preparar o terreno para um 2027 bem mais explosivo. Será quando começa a valer o 15º Plano Quinquenal (2026–2030), cujas entregas e respostas a problemas econômicos e de coesão política serão fundamentais no caminho que nos leva ao 21º Congresso do Partido Comunista em 2027 —momento em que se renovarão os mandatos de todo o alto escalão, incluindo o de secretário-geral da legenda.
Será o momento em que líderes provinciais buscam se destacar, implementando as diretivas decididas em Pequim e ansiosos para divulgar números exultantes em busca de ter o que mostrar na feroz competição por postos de prestígio na hierarquia do partido. A questão central é como fazer isso em um momento em que Xi Jinping parece cada vez mais disposto a aceitar limitações econômicas estruturais antes tratadas como transitórias.
No interior do sistema, esses limites já são amplamente reconhecidos. Em novembro, por exemplo, a produção industrial cresceu perto de 5%, enquanto as vendas no varejo avançaram pouco mais de 1%. A dissociação entre oferta e consumo deixou de ser cíclica e se tornou parte recorrente dos relatórios de atividade econômica. É bastante notável que a confiança das famílias permanece contida, e o crescimento passa a depender cada vez mais de investimento estatal e exportações.
China, terra do meio
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A condução da crise imobiliária torna essa lógica ainda mais evidente. Foi-se o tempo que casos como os calotes da incorporadora bilionária Evergrande, por muitos anos considerada grande demais para quebrar, deixavam formuladores de políticas públicas em Pequim de cabelo em pé. Aos poucos, a sociedade foi entendendo que o problema não vai desaparecer do nada e ele deixou de ser tratado como exceção.
Governos locais hoje lançam programas de crédito direcionado e compras de estoques destas empresas quase falidas não mais para reaquecer o mercado, mas para prevenir protestos de compradores e evitar colapsos fiscais. O foco já não é reativar um motor econômico esgotado, mas conter riscos sociais associados à sua desaceleração.
Não há também quaisquer sinais de inflexão em direção ao consumo. A liderança resiste a reformas que ampliem renda disponível ou fortaleçam o Estado de bem-estar (medidas vistas internamente como fiscalmente arriscadas e politicamente desmobilizadoras), sobretudo num momento em que o partido busca evitar a formação de novas expectativas sociais.
Em seu lugar, o núcleo da estratégia permanece no investimento em chamadas “novas forças produtivas”, jargão exaustivamente repetido no plano quinquenal e que aponta para ênfase redobrada em semicondutores, biotecnologia, geração e transmissão energética, inteligência artificial e manufatura avançada.
No ano que vem, portanto, a aposta não é restaurar o dinamismo, mas preservar o controle em um ambiente internacional adverso e com margens domésticas cada vez mais estreitas.
O modelo pode garantir estabilidade no curto prazo, mas a forma como o partido vai gerir o custo disso –com centralização política, consumo fraco e crescimento dirigido reduzindo a capacidade de adaptação justamente no momento em que as pressões internas se acumulam– dará o tom do quão sensíveis essas mudanças podem ser.
Fonte ==> Folha SP


