Lisa, integrante do Blackpink, dançou ao som de um remix de “Tô Trajadão”, de MC Kaverinha, em apresentação no desfile da Victoria’s Secret, retomado em outubro, e levou o funk ao palco do Coachella deste ano. J-Hope, do BTS, exibe um vídeo com batidas do gênero na sua turnê atual.
Os artistas, que estão entre os maiores do pop da Coreia do Sul, reforçam uma tendência dos últimos anos: o funk está dominando o k-pop. O ritmo das favelas brasileiras tem aparecido em performances, lançamentos de grupos e parcerias com nomes nacionais.
Um dos responsáveis por levar o funk à indústria sul-coreana é o Tropkillaz, duo de produtores brasileiros. Eles co-produziram “Chill”, canção com o ritmo brasileiro na ponte, que Lisa cantou no principal festival de música americano. Em seguida, seus dançarinos fizeram uma performance com sample de um pancadão.
Zegon e Lautz foram apresentados a gravadoras coreanas por um produtor americano que trabalha com k-pop, Dem Jointz. Veio o convite para fazer um remix de “Better Things”, do Aespa, grupo feminino popular. “Aí a gente falou: vamos fazer um funk”, diz a dupla.
Na mesma época, setembro de 2023, produziram “Back For More”, cantada por Anitta e TXT, boyband da mesma empresa do BTS. A música é o ápice da ligação entre funk e k-pop —a carioca foi a primeira brasileira de peso a fazer feat com um grupo coreano grande. A parceria rendeu clipe e apresentação no VMA.
“Isso é algo muito novo para nós, não conhecíamos esse universo. Estamos achando divertido”, diz Zegon. “Mesmo fazendo funk e ficando conhecido por isso, a gente vem do hip hop, sempre misturamos estilos. E o k-pop é meio que tudo junto ao mesmo tempo.” Lautz completa: “Ficamos bem felizes por poder levar nossa música para outros lugares”.
Anitta é um dos principais nomes a exportar o funk —seu álbum “Funk Generation” foi indicado ao Grammy. O gênero brasileiro vai virar febre global, segundo a revista britânica The Economist. Essa nova onda é mundial, e o k-pop, conhecido por misturar estilos, está antenado no que está em alta.
“O funk está chegando no mainstream da Coreia do Sul. É um diálogo que estava borbulhando e agora chegou nos artistas maiores”, afirma Maria Luísa Rodrigues, que pesquisa a música do país asiático em mestrado na Universidade Federal Fluminense. “Esse movimento mais explícito é recente, a partir dos anos 2020, puxado por parcerias anteriores e covers, que ajudaram a preparar o terreno.”
O quinteto Meovv escolheu o som brasileiro para o debut, em setembro do ano passado. Em “Meow”, as batidas fortes são mescladas com sintetizadores no “dance break”. Elas repetem a referência musical no single mais recente, “Hands Up”.
Tri.be, grupo feminino criado por Shinsadong Tiger, que foi um dos principais produtores do pop sul-coreano, traz influências latinas, incluindo o funk, em canções como “Twit” e “Doom Doom Ta”.
“Se bater de frente, ele humilha qualquer um”, surge cantada em português no remix de “Fact Check”, do NCT 127, feito pelo produtor coreano 2Spade. Outros nomes grandes têm usado referências do funk, mesmo que de maneira mais diluída —casos de “Like Jennie”, de Jennie, do Blackpink, e “Fire”, do Seventeen.
Mas é possível encontrar exemplos mais antigos. Há seis anos, Jay Park lançava “V”, com uma batida clássica de fundo. O rapper tentou fazer uma parceria com MC Binn na época, que não foi para frente.
“O funk tem uma sonoridade de vanguarda que o k-pop sempre gostou de reinterpretar e se aproximar dos gêneros globais”, explica Rodrigues, da UFF. Ela observa, no entanto, que não chega a esses artistas o contexto histórico e a esfera marginalizada do som brasileiro. Ele surge como um ritmo pop pensado para ser dançado.
Não à toa, o funk tem se popularizado entre os ídolos por meio de dancinhas gravadas para as redes sociais, as “trends”. Karina, integrante do Aespa, viralizou ao fazer uma coreografia de “Bola Rebola”. Virou febre a “dança do ombrinho” e dançar “Bonde do Brunão”, música que Bruno Mars criou durante turnê no Brasil.
“É uma característica do gênero, não só da dança, mas da dança viral. O funk chegou num patamar de relevância internacional que agora é interessante para o k-pop entrar também”, diz Rodrigues. “O Brasil é uma moeda valiosa para engajamento, então esses artistas estão correndo atrás disso.” Ela cita ainda como estúdios de dança coreanos, como o popular 1Million, têm criado coreografias de funks.
Essa onda também é interessante para o Brasil, segundo a pesquisadora. “A Coreia do Sul está em ascensão no cenário global e a gente se vê reconhecido nesse movimento. É interessante nos associar uma marca que deu certo.”
Outro ritmo brasileiro que tem aparecido com mais frequência no k-pop é a bossa nova. Lançada há três semanas, “Elevator” começa com riffs tipicos. A música é de Baekhyun, integrante do EXO e um dos principais cantores solo, que já havia explorado o gênero em outros trabalhos, como “Rendez-Vous”, do ano passado.
J.Y. Park, fundador de uma das maiores empresas dessa indústria, a JYP Entertainment, citou a música “Chega de Saudade” e artistas como João Gilberto, Tom Jobim e Nara Leão como inspiração para compor “Alcohol Free”, lançada em 2021 pelo Twice, girl group de sucesso.
Le Sserafim, da mesma Hybe do BTS, lançou em março um remix de “Come Over” com o som da década de 1950. IU, cantora solo importante, traz referências em várias canções, como “Obliviate” e “Havana”. Há vários outros exemplos, como “Roller Coaster”, do Nmixx, “Melt Away”, de Taeyeon, e “LP”, de Red Velvet.
A bossa nova já é mais estabelecida no exterior, inclusive na Coreia do Sul. Nomes como Gilberto Gil e Caetano Veloso esgotam shows no país asiático, e em 2023 Sérgio Mendes foi headliner do Seoul Jazz Festival. “Aqui, Sérgio Mendes é enorme, mas não se vê uma multidão de jovens animados para vê-lo como se vê por lá”, comenta Rodrigues.
Fonte ==> Folha SP