A divulgação do perfil dos aprovados no Concurso Nacional Unificado (CNU) comprovou que o exame é um avanço significativo na democratização do acesso ao serviço público, pois facilitou a participação de candidatos de diferentes regiões do Brasil, reduzindo desigualdades.
Foram selecionados candidatos em 908 municípios, não se limitando a uma concentração em cidades grandes e médias. A representatividade feminina e racial, porém, é um dos pontos sensíveis do concurso, que merece estudos para avançar mais.
Os dados de aprovados mostram que 63% são do gênero masculino e 37% são mulheres. Contudo, elas foram maioria nas inscrições (53%) e tiveram um alto índice de não comparecimento. Isso pode refletir as dificuldades das mulheres de se fazerem presentes no processo seletivo, o que muitas vezes pode ser consequência de uma jornada tripla que não as permite se dedicar ao estudo. Entender essas dificuldades é essencial para superá-las.
Outro ponto revelador sobre a situação feminina é a análise das carreiras. No bloco 5 do concurso, composto de carreiras públicas relacionadas à educação, saúde, desenvolvimento social e direitos humanos, as mulheres equivalem a 60,3% das vagas, e os homens, a 39,7%. Na outra ponta, no bloco 2 (tecnologia, dados e informação), os aprovados são em sua maioria do sexo masculino (91,6%). Esses índices mostram de forma explícita que as mulheres ainda estão restritas às carreiras relacionadas ao cuidado, que em sua maioria recebe remunerações menores. Novamente, trata-se de situação a ser discutida e enfrentada, não podendo apenas ser aceita como algo natural.
Já a representação racial é outra questão que exige reflexão e urgência. Pessoas autodeclaradas negras na fase de inscrição no CNU foram 18,8% e, na aprovação, chegaram a 24,5%. Esse resultado, que ao mesmo tempo parece uma evolução em termos de diversidade, demonstrando que políticas afirmativas de cotas podem ser efetivas se bem aplicadas, contrasta com o fato de que a população negra do país chega a 56%. Ou seja, o concurso não refletiu a diversidade brasileira e, novamente, essa é uma situação a ser enfrentada —não só por uma necessária questão de justiça, mas também para garantir que serviços e políticas públicas sejam executados com engajamento e qualidade.
Por outro lado, um dos outros aspectos positivos do CNU é o fato de ser um processo que inclui um curso de formação posterior para parte das carreiras em que houve a seleção, com caráter eliminatório e classificatório. Isso contribui para a qualificação dos futuros servidores, de forma que estejam mais bem preparados para servir à sociedade. E, concluídas as etapas de seleção e formação, começarão os desafios para a melhor integração desses novos servidores às suas funções, o que vai exigir do governo uma grande capacidade de gestão de pessoas e logística nos ambientes de trabalho.
Já pensando em futuros concursos, também é necessário superar o modelo tradicional de provas objetivas únicas, incorporando etapas que avaliem a aptidão dos candidatos, como previsto na nova Lei de Concursos Públicos. Essa mudança deve estender-se à melhor organização das carreiras, evitando a proliferação de cargos com funções semelhantes e remunerações diferentes, uma das causas das ineficiências e desigualdades no serviço público.
O tratamento dessas questões será crucial para dar respostas também à renovação etária que o CNU pode trazer ao serviço público brasileiro. Um em cada sete aprovados no concurso atual tem entre 25 e 40 anos. Se considerada a faixa etária entre 25 a 35 anos, este grupo equivale a 46% dos aprovados.
Apesar de ter atraído uma grande quantidade de jovens, isso não garante que tenham sido selecionados servidores com aptidão ao serviço público. Para isso, é necessário que o processo de seleção unificado inclua o mapeamento por competências, com definição dos perfis a serem selecionados, inclusive por outras etapas que avaliem também características socioemocionais.
Os avanços conquistados pelo CNU devem ser comemorados, sem deixar de serem compreendidos como degraus numa evolução que ainda tem muitos passos pela frente.
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Fonte ==> Folha SP