Conselho Popular propõe aos chefes do Brics criação de big tech pública de países do Sul Global; leia discurso de João Pedro Stedile

Em uma fala inédita diante dos chefes de Estado do Brics, o dirigente popular João Pedro Stedile defendeu, neste domingo (6), no Rio de Janeiro (RJ), que os países do bloco criem uma big tech pública acessível aos povos do Sul Global. A proposta busca enfrentar a dependência das plataformas privadas que concentram dados, moldam narrativas e influenciam os rumos políticos nos países em desenvolvimento.

“É preciso nos livrarmos da manipulação e do controle que as atuais big techs estão fazendo não só na ideologia, mas na luta política em nossos países”, afirmou Stedile durante a plenária oficial da 17ª Cúpula do Brics, ao lado de representantes da Rússia e da África do Sul. A intervenção do dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) marcou a primeira participação da sociedade civil em uma sessão de chefes de Estado na história do bloco.

A fala ocorreu em nome do Conselho Civil do Brics, batizado no Brasil de Conselho Popular, e resume a formulação de sete grupos temáticos com foco em saúde, educação, ecologia, cultura, finanças, soberania digital e institucionalidade dos direitos. Segundo Stedile, mais de 120 organizações participaram do processo de elaboração de propostas, sistematizadas em um documento entregue aos presidentes.

Crise de governança global e soberania econômica

Na avaliação do Conselho Popular, o mundo atravessa uma grave crise de governança liderada por potências ocidentais, que ameaça a sobrevivência das democracias e a soberania dos povos. “Se quisermos salvar a civilização humana, precisamos criar mecanismos novos de cooperação internacional”, afirmou o dirigente brasileiro.

A superação da dependência do dólar foi apontada como uma das prioridades. O Conselho manifestou apoio à criação de sistemas próprios de pagamento entre os países do Brics e defendeu abertamente a desdolarização das economias. Também foi defendida a tributação de grandes fortunas e o combate aos capitais especulativos que operam em paraísos fiscais.

“Os milionários são cada vez menos em número, mas concentram cada vez mais riqueza. É preciso que o sistema internacional controle esses capitais e direcione recursos para combater a pobreza, a fome e a desigualdade”, disse Stedile.

Financiamento de projetos populares e voz permanente

Entre as propostas apresentadas, o Conselho defendeu que o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), presidido por Dilma Rousseff (PT), crie mecanismos que permitam o financiamento direto de projetos sociais elaborados por organizações populares dos países-membros.

A fala também incluiu a reivindicação por continuidade da participação da sociedade civil nas próximas cúpulas. Segundo Stedile, o conselho já prepara uma série de atividades para o segundo semestre, incluindo uma reunião de juventudes na África do Sul em setembro, uma conferência ampliada em Salvador (BA) em outubro e o próximo encontro internacional do Conselho em Moscou, em novembro.

Ao final da fala, o dirigente expressou apoio à entrada de novos países no Brics e reforçou a defesa do povo palestino. “Devemos empreender todos os esforços para salvar o povo palestino do genocídio, assim como condenamos todas as guerras”, afirmou.

Leia a seguir a íntegra do discurso de João Pedro Stedile na plenária da Cúpula do Brics:

Venho aqui em nome dos membros do Conselho Civil. Estão comigo o companheiro Raymond, da África do Sul, e a companheira Victoria, da Rússia, como representantes desse esforço de construir um Conselho Civil dos Brics, que foi deliberado na reunião de Kazan, e que agora celebramos por ter sido incorporado ao parágrafo 123 da declaração final desta cúpula, com a aprovação institucional do funcionamento do nosso conselho.

Nós consideramos que o Conselho Civil — que reúne organizações populares, acadêmicas, da sociedade, e também empresariais é fundamental para ampliar a cooperação técnica, científica e cultural entre nossos povos. Isso não pode ser tarefa apenas dos governos.

Desde Kazan até aqui, trabalhamos intensamente. Constituímos sete grupos temáticos a partir da agenda proposta pela presidência brasileira: saúde, educação, ecologia, cultura, finanças, soberania digital e institucionalidade dos direitos.

Reunimos, nesse período, mais de 120 organizações. Nos últimos dois dias, estivemos reunidos aqui no Rio de Janeiro para nos preparar, e aprovamos um documento que será entregue aos senhores: são 80 páginas com nossas contribuições nessas sete áreas.

E seguiremos no próximo semestre. Em setembro, realizaremos uma reunião de jovens na África do Sul. Em outubro, faremos uma conferência com delegações de todos os países aqui em Salvador, no Brasil. E em novembro, realizaremos em Moscou a próxima reunião do Conselho Civil. Esperamos que todos os governos apoiem e nos ajudem a garantir a participação da sociedade civil.

Esta é uma oportunidade emblemática: é a primeira vez que a sociedade civil tem voz em uma reunião com os chefes de Estado dos Brics. Somos gratos e queremos compartilhar nossa visão política sobre este momento grave que vivemos no mundo.

Consideramos que o mundo enfrenta uma crise profunda de governança ocidental, que exige esforços de todos nós para construirmos novos mecanismos de cooperação internacional, se quisermos salvar a civilização humana.

Defendemos, junto com vocês, a superação da dependência das moedas ocidentais em nossas economias e apoiamos a criação de mecanismos alternativos de pagamento para facilitar a integração e o desenvolvimento dos nossos países.

Defendemos a tributação dos milionários, cada vez menos numerosos, mas com mais riqueza sob seu controle. É preciso controlar os capitais especulativos nos paraísos fiscais e, com isso, garantir recursos institucionais para combater a pobreza, a fome e a desigualdade social.

Defendemos também que o Banco dos Brics — querida presidenta Dilma crie mecanismos que permitam a aprovação de projetos sociais apresentados por organizações populares.

E como porta-voz do Fórum de Jornalistas do Brics, que também se reuniu recentemente no Rio de Janeiro (RJ) e em Belém (PA), propomos que os governos do Brics criem uma big tech pública, aberta e acessível a todos os povos do Sul Global, para que possamos nos libertar da manipulação e do controle das big techs atuais, que atuam ideologicamente e politicamente em nossos países.

Também nos somamos às declarações do presidente Lula em defesa da entrada de novos países no Brics.

E, por fim, queremos registrar a nossa voz: devemos empreender todos os esforços, com urgência, para salvar o povo palestino do genocídio, assim como condenamos todas as guerras e, em especial, a agressão ao povo palestino.

Muito obrigado, presidente.



Fonte ==> Brasil de Fato

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