20 de abril de 2025

Cozinhe como uma fugitiva – Pantagruel – CartaCapital

Cozinhe como uma fugitiva – Pantagruel – CartaCapital

Quando ouço ou leio sobre comida e afeto, um filme me vem à cabeça: A Festa de Babette, primeiro longa dinamarquês que levou a estatueta de melhor longa estrangeiro na premiação do Oscar em 1987. No roteiro, baseado no conto de Karen Blixen, mais conhecida por Entre Dois Amores, Oscar de melhor filme de 1986, Babette chega de barco, foragida da insurreição da Comuna de Paris, a uma pequena vila no litoral da Noruega. Ex-chef do mais famoso restaurante da França, o Café Anglais, Babette teve de deixar tudo em Paris para salvar sua vida.

Por meio da carta de um conhecido, ela se torna empregada na casa de Martine e Philippa, duas irmãs criadas por um rígido pai religioso que pregava que a renúncia dos prazeres pessoais era o trampolim para a eternidade. As irmãs têm hábitos simples à mesa e desde o início mostram à Babette como tudo deve ser cozido. Ela é esperta com comerciantes e economiza dinheiro para as irmãs, que passam a ter mais tempo com a comunidade, que começa a se preparar para a festa de 100 anos do nascimento do patriarca das irmãs.

As coisas vão indo até que chega a notícia de que Babette recebeu um prêmio de 10 mil francos da loteria francesa. Com o dinheiro, ela pode deixar a vila, abandonar o trabalho de empregada doméstica, abrir um restaurante em outro país, mas decide fazer uma festa de agradecimento às duas irmãs que a abrigaram no momento mais difícil de sua vida.

Compra tudo do bom e do melhor, para fazer um jantar francês em sete tempos: sopa de tartaruga-gigante – hoje crime ambiental; panquecas de trigo sarraceno com caviar e creme de leite; codorna em massa folhada com foie gras e molho de trufas negras; Salada de endívias; bolo embebido em calda de rum; queijos e frutas variados; café com conhaque.

A festa e o menu trazem apreensão à vila. As irmãs e os convidados ficam receosos, acreditam que a mesa não é lugar de excessos, que a festa seria um pecado e coisa do diabo. Vendo Babette preparar os pratos, Martine e Philippa ficam indignadas quando veem garrafas de vinho, algo proibido na comunidade. “Isso é vinho?”, dizem. Babette olha para elas e retruca. “Não, isso não é vinho. É um Clos Vougeot 1845”, responde ironicamente, se referindo a um dos tintos mais reputados da Borgonha, região famosa pelos brancos de Chardonnay e tintos de pinot noir.

Tecnicamente, o menu foi pensado a cada etapa. O início do jantar foi brilhante. A escolha da sopa, abrindo o evento, mostra toda a sensibilidade de Babette no intuito de quebrar a tensão dos convivas, que naturalmente estavam acostumados a um caldo reconfortante nas frias noites da Dinamarca. Isso minou a expectativa de algo suntuoso e ofensivo aos rígidos princípios religiosos daquela comunidade de idade avançada. A partir de então, ficou muito menos impactante servir caviar e champagne, com as pessoas embevecidas com toda a riqueza e exotismo da sopa.

Ao experimentarem a ave, a salada, a tábua de queijos e as sobremesas, as percepções se transformam. No fim, as irmãs agradecem Babette e perguntam para onde ela vai agora que está rica. Ela sorri e responde que gastou todo o dinheiro com o jantar. As irmãs se olham e ficam preocupadas. Babette olha para o céu e sorri. “Eu precisava brilhar, eu precisava mostrar a minha arte.”



Fonte ==> Casa Branca

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