A Argentina está cara. Tão cara que até Ricardo Darín, um dos maiores atores do país, não conseguiu conter a indignação ao relatar, no programa de Mirtha Legrand, que havia pago 48 mil pesos (cerca de R$ 230) por uma dúzia de empanadas.
A declaração, feita num dos programas de maior audiência da televisão argentina, viralizou e expôs —com humor e indignação— a insustentabilidade do custo de vida no país.
A fala de Darín chamou atenção não apenas pelo preço, mas pelo contexto: ele vive parte do tempo na Espanha, e ao retornar à Argentina, notou que itens cotidianos da classe média —como empanadas e jantares em restaurantes— tornaram-se artigos de luxo. A comparação com os anos Menem, época da paridade peso-dólar, veio à tona. O custo de vida aumentou mesmo com sinais de queda na inflação, num momento em que o governo de Javier Milei implementa cortes agressivos e desregulações que empurram o país para a recessão.
O comentário gerou uma onda de críticas. Muitos apontaram que Darín comprara as empanadas em um lugar “cheto” —termo argentino para descolado e caro. O nome da loja surgiu: Mi Gusto, empanaderia gourmet em Palermo, bairro de classe média de Buenos Aires, onde cada unidade pode passar dos 4 mil pesos (cerca de R$ 20,00), quando seria a metade disso em empanaderias populares. Ainda assim, um preço alto para os padrões argentinos. O episódio dividiu opiniões e reacendeu debates sobre consumo, classe e percepção de valor.
Diante da repercussão, Darín respondeu: “É óbvio que há empanadas de vários preços. Usei esse exemplo porque é um alimento cotidiano que, em alguns casos, virou artigo de luxo. Não é normal pagar isso num bairro de classe média”. A explicação não acalmou os ânimos: a discussão já havia ultrapassado o preço das empanadas e se tornara símbolo do mal-estar econômico.
O episódio expôs também a supervalorização do peso. Muitos economistas, inclusive os mais liberais, creem que será inevitável que, em algum momento, o governo seja levado a desvalorizar a moeda nacional. E essa novela os argentinos já conhecem: pode levar a um cenário de tensão social parecido ao do “estallido” de 2001.
A polêmica mobilizou a imprensa. Vários veículos saíram às ruas para verificar os preços, revelando uma constatação velha conhecida dos argentinos: não existe um “índice empanada”. Ao contrário do Big Mac, a empanada não se presta à padronização. Seus preços variam conforme a província, o bairro, o recheio, o tipo de forno e o prestígio do local. Empanadas tradicionais em Salta, Tucumán ou bairros populares de Buenos Aires têm preços variados. A constatação generalizada, porém, é uma só: das populares às gourmet, todas estão mais caras hoje do que antes da posse de Milei.
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O caso Darín virou uma espécie de termômetro social. Num país em que a metade da população está na pobreza e onde a classe média vê seu padrão de vida ruir, uma empanada pode provocar um colapso simbólico. Não é apenas uma anedota: é um espelho da desigualdade. É também uma metáfora da Argentina de Milei, onde a política econômica de ajustes e cortes nos gastos públicos é drástica, a esperança é cautelosa, e até o humor serve de válvula de escape.
Darín, desta vez não na ficção cinematográfica, mas no cotidiano portenho.
Talvez o novo índice a ser medido não seja mais o da empanada nem o do Big Mac, mas o da paciência de um povo que, mesmo diante do absurdo, ainda encontra forças para rir —e reclamar— de uma dúzia de empanadas a preço de jantar de gala.
Fonte ==> Folha SP