No último dia 4, a Folha enunciou em editorial que “aumentou o custo de defender os Bolsonaros”: “Entre uma família de postulantes a tiranetes autocentrados e o Brasil, a escolha deveria ser fácil e clara”. Já no dia seguinte, 5, colocou no ar sua visão de que “Bolsonaro tem direito à livre expressão” e sentiu na pele o próprio diagnóstico –ainda que a princípio tentasse defender a Constituição, não o ex-presidente.
Foi esse o texto mais discutido da semana, com mais de 1.500 comentários. Também encabeçou os temas mais encaminhados à ombudsman. Enquanto a discussão online abarcava mais matizes, porém, as mensagens de email concentravam leitores decepcionados com o jornal. Perplexidade, desalento, decepção, irritação, tapa na cara. Eram essas as palavras usadas para descrever as reações ao texto.
“Confesso que fiquei atordoado”, diz Roberto Nasser, 75, assinante da Folha “há 30 ou mais anos”. “O próprio texto serve como prova para condenar a tese central do editorial. Bolsonaro teve e tem tido todas as oportunidades de se manifestar, conforme lhe garante a Constituição. O que temos assistido é uma armadilha populista na qual a Justiça impõe uma decisão e ele descumpre para confrontá-la e posar de vítima.”
Roberto vaticina: “Se Bolsonaro não for contido, todos nós, democratas, e a própria FSP veremos o que é falta de liberdade de expressão”.
“Direito à liberdade de expressão de alguém que deseja o fim do Estado de Direito para impor um regime no qual, certamente, prevalecerá a censura”, completa Alberto Lakatos, 65, assinante desde 1984 e que lê o jornal “desde meus 17 anos, 1977”.
Ambos simbolizam o assinante de um jornal praticamente refundado sobre a campanha das Diretas Já e que ainda mantém expectativas em relação a ele.
Mas havia também assinantes mais recentes na leva de decepcionados. Estes chegaram sobretudo com a pandemia e o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022).
“Me tornei assinante da Folha na pandemia de Covid. Diante dos absurdos perpetrados pelo governo da época, precisava de uma fonte confiável de notícias e, entre outros canais jornalísticos, escolhi também a Folha“, conta Silvana Sarriés, 61. “Ultimamente, porém, diante dos descalabros cometidos pela família Bolsonaro e seus asseclas em nosso país, vejo com tristeza que a Folha (…) está colaborando para pôr ‘fogo no parquinho’”, afirma.
Já Pedro Vitor da Silva, 23, era assinante havia dois anos e diz que confiava na Folha. “A empresa tem direito de manifestar sua opinião, mas é inaceitável trair a confiança do leitor e de quem paga. Por fim, escrevo para dizer que cancelei minha assinatura e espero que revejam o posicionamento.”
Para outra leitora que também disse ter pedido o cancelamento da assinatura, o ex-presidente tem direito à livre expressão, “mas não tem o direito de debochar da Justiça”.
Diante das questões e das críticas, o diretor de Opinião da Folha, Gustavo Patu, afirma que “a defesa de uma noção robusta do direito à livre expressão é um princípio basilar e histórico da linha editorial do jornal, que não o aplica somente a opiniões e manifestações de seu agrado”.
Nunca é demais lembrar as definições e explicações da própria Folha para seus editoriais. “Sem deixar de abrir espaço a opiniões das mais variadas tendências, a Folha expressa seus próprios pontos de vista diariamente, por meio de textos não assinados, chamados, na tradição da imprensa escrita, de editoriais.” Sobre o teor dos textos, a Folha esclareceu, em 2022, que “existem princípios e valores inegociáveis para o jornal. As liberdades democráticas e o Estado de Direito serão sempre defendidos”.
A esse respeito, são úteis as considerações do leitor Gabriel Pereira, de Campinas (SP). “Nenhuma democracia sobrevive se não souber se proteger de quem a usa como escada para destruí-la por dentro. Quando um político com histórico golpista usa sua visibilidade e influência para fomentar instabilidade institucional, para ameaçar juízes, para minar o sistema eleitoral e flertar com a ideia de ruptura, isso não é ‘expressão’, é sabotagem.”
A briga dos leitores com os editoriais não é nova. Mas, em tempos de hiperpersonalização de conteúdo e influenciadores, a expressão do pensamento sem rosto de uma empresa tem o potencial de gerar ainda mais estranheza. Talvez, por trás do incômodo com a opinião em si, haja também o incômodo com o fato de ela ser enunciada por um CNPJ, e este seja o mesmo que vende notícias. Não é a Redação, porém, que responde por essas opiniões. Justamente por se tratar de uma tradição centenária da imprensa escrita, a razão de ser do editorial resulta opaca demais para um mundo em que até big techs emitem posicionamentos assinados e ilustrados por seus donos, presidentes, chefões em geral.
Fonte ==> Folha SP