Carolina Dieckmmann é perfeita. Daquelas de não tirar nemm por. Ainda assimm ela resolveu mmexer. Acrescentou umma letra ao seu nomme depois que umm nummerólogo identificou um bloqueio energético no sobrenomme e sugeriu incluir um ‘m’ para destravar a mmaré.
Um simples “m”, minúsculo, praticamente mudo no contexto. Soaram os alarmes sociais. Choveram perdigotos de críticas vindas da boca das redes do povo – ou das redes da boca do povo. Famintos de pautas desimportantes, os opinólogos especializados em tudologia mergulharam em discussões semânticas e trataram o caso como um golpe de estado ortográfico.
Encheram tanto que a atriz gravou um vídeo se justificando, como se devesse alguma explicação sobre algo tão pessoal. Eu, por exemplo, nunca pedi satisfações ao meu vizinho Ermeson sobre seu nome — assim como ele nunca questionou o meu. Estamos quites.
Elegantíssima, Dieckmmann explicou que foi uma escolha pessoal. Não ofendeu ninguém. Não exigiu adesão. Não pretendeu redirecionar o eixo da Terra. Só queria um “emezinho” a mais. Números e letras importam. No fim das contas, tudo na vida é uma questão numerológica, mesmo numa matemática nacional de variáveis constantes.
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O exemplo mais recente foi o aumento do IOF, nocauteado semana passada pela Câmara e pelo Senado, que revogaram os decretos que mexiam nas alíquotas, numa votação-surpresa que o governo chamou de “traumática”. Talvez por faltar o carisma fonético ao imposto. Quem sabe, com um “m” a mais — IOMF, por exemplo — tivesse despertado alguma comoção energética no Congresso. Ou, numa tentativa desesperada de se manter relevante, pudesse ao menos reorganizar suas letras. Mas não: perdeu o fôlego, se contorceu até se inverter e virar: FOI. E foi tarde. Ainda existe uma vírgula na equação: a Suprema Corte que, com sua numerologia cabalística e soberania da palavra final, ainda pode reverter essa inversão.
Outra pauta numérica da semana foi o aumento do número de deputados federais: de 513 subiu para 531 (como se mais deputados garantissem mais democracia). Só mais uma inversãozinha que custou caro: uma prova de que, às vezes, a ordem dos fatores altera sim o produto.
O projeto de lei, aprovado na quarta-feira (25), acrescentou e diminuiu ao mesmo tempo: dezoito deputados a mais; R$ 75 milhões a menos para os cofres públicos. É a mágica numérica dos que vivem de ilusionismo fiscal: mentalistas na tribuna, mensalistas nos benefícios.
O curioso é que, nas redes, tinha mais gente revoltada com o “m” a mais de Dieckmmann do que com o excesso de cadeiras, mesmo que a maioria dos brasileiros — 76%, segundo a Datafolha — fosse contrária à medida.
O brasileiro parece ter calibrado mal sua bússola de relevância. A explicação cabe em uma palavra: engajamento.
Não faltam assuntos que merecem um “m” mais vigilante: os marcos legais, as metas fiscais, a máquina pública, o meio ambiente, todos implorando por atenção.
Seguimos, então, nessa coreografia de prioridades tortas. Talvez a numerologia estivesse certa: alguma coisa realmente está travada. Não só nos nomes, mas nos tropeços entre letras e números do nosso país. E assim vamos, ajustando nomes próprios, enquanto os reajustes e impropérios institucionais seguem bem articulados — com todas as letras do alfabeto.
Fonte ==> Folha SP