20 de abril de 2025

Desigualdades de gênero no mercado brasileiro vão além da empregabilidade, aponta relatório de transparência salarial – Brasil de Fato

No Brasil, as mulheres trabalhadoras recebem, em média, 20,9% menos que os homens, cumprindo exatamente as mesmas funções. O dado foi revelado pelo 3º Relatório de Transparência Salarial, divulgado no começo de abril pelo Ministério do Trabalho e Emprego, em parceria com o Ministério das Mulheres. 

Por outro lado, destaca a subsecretária de Estatísticas e Estudos do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Paula Montagner, o relatório constata o aumento para 40,6% no número de mulheres no mercado de trabalho e uma expansão da massa salarial das trabalhadoras entre 2023 e 2024. 

“A primeira coisa que chamou a atenção foi que a gente, entre 2023 e 2024, gerou 1 milhão de novos postos celetistas para essas empresas [que participaram do relatório]. Gerou mais para as empresas de 100 empregados ou mais. E metade disso foi ocupado por mulheres, metade por homens. Essa é uma coisa que é importante. A segunda coisa que a gente viu foi que aumentou a massa de rendimento das mulheres”, afirma.

Rosane Silva, secretária Nacional de Autonomia Econômica do Ministério das Mulheres, destaca que os avanços registrados pelo 3º relatório comprovam o acerto do governo federal em apoiar e articular a aprovação da Lei nº 14.611, de 3 de julho de 2023, que ficou conhecida como a Lei de Igualdade Salarial.

“A Lei de Igualdade Salarial, a Lei 14.611 de 2023, começa a dar os seus primeiros resultados positivos. Portanto, foi um acerto do presidente Lula, foi um acerto do governo federal em apresentar a lei que regulamenta que as empresas precisam mostrar o seu relatório de salário de mulheres e homens e, a partir disso, a gente conseguir ir medindo essa diferença e construindo políticas que vá reduzindo essa desigualdade pra gente chegar a uma igualdade plena”, afirma a secretária.

Adriana Marcolino, diretora técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), avalia que, embora tenha havido avanços em matéria de empregabilidade das mulheres nos últimos anos, a desigualdade persistente mostra que é preciso políticas complexas e intersetoriais para intervir nessa realidade. 

“O primeiro grande papel desse relatório é apresentar à sociedade que o problema existe, é concreto, real e persistente. E que, portanto, não há soluções fáceis e rápidas para sua alteração. O que a gente tem visto é que, de fato, mesmo a participação das mulheres e das mulheres negras aumentando no mercado de trabalho, há uma persistência das desigualdades”, avalia Marcolino.

Racismo estrutural 

Essa disparidade é ainda maior quando se considera a raça. Em 2024, mulheres negras ganhavam 47,5% do que os homens não negros. Em 2023, o percentual era de 50,3%. Números considerados “absurdos” pela diretora técnica do Dieese.

“É muito absurdo, é inacreditável que a gente como sociedade não olhe para um número desse, diga: ‘Não, basta, chega, temos que mobilizar a sociedade de modo potente para transformar essa realidade’. Eu acho que é importante destacar que o assalariamento das mulheres no mercado de trabalho brasileiro começa ali na década de 70, depois aumenta na década de 90 e 80 e a gente tem aí um crescimento pequeno, mas contínuo desde então. Agora, a participação das mulheres negras no mercado de trabalho é grande desde a transição do trabalho escravo ao trabalho assalariado”, destaca Marcolino. 

“As mulheres negras sempre estiveram de forma muito presente no mercado de trabalho. Acontece que mesmo ao longo de todo esse período, desde o início do trabalho assalariado no Brasil, não houve nenhuma política que de fato garantisse que essas mulheres pudessem acessar o mercado de trabalho em condições dignas. E quando a gente olha então para esse conjunto de elementos, a gente precisa de um conjunto de políticas para inserir as mulheres no mercado de trabalho, mas não é possível que nessas políticas a gente não tenha uma um recorte de raça, porque quando se coloca essas duas questões juntas, gênero e raça, a gente vê como as mulheres negras estão numa situação de ainda maior desvantagem”, completa. 

Política de cuidados

As especialistas convergem sobre a necessidade de políticas intersetoriais para a superação da desigualdade salarial e de outro problema grave que afeta as mulheres: a dupla, e às vezes tripla jornada. 

“A discussão da economia do cuidado é muito importante porque ela vai fazer a gente olhar para esse lado em que ocupações são majoritariamente trabalhadas por mulheres, muitas vezes sem nenhuma remuneração”, ressalta a subsecretária do MTE, Paula Montagner.

Já Marcolino destaca a Política Nacional de Cuidados, aprovada em 2024 pelo Congresso Nacional, como um instrumento a mais na luta pela igualdade de condições entre homens e mulheres. 

“As mulheres ainda são aquelas que têm a maior jornada na tarefa de cuidados. E o que isso resulta na sua inserção no mercado de trabalho? Primeiro que as mulheres acabam mesclando períodos no trabalho remunerado e fora dele, porque eventualmente elas precisam sair do mercado de trabalho para dar conta das tarefas de cuidado. A outra questão é que muitas vezes as mulheres precisam fazer jornadas menores de trabalho remunerado para conseguir compatibilizar com a jornada de cuidados”, destaca a diretora do Dieese, recorrendo uma vez mais ao recorte racial.

“Particularmente as mulheres negras, que acabam tendo que optar por soluções informais para conseguir inclusive fazer essa organização da vida pessoal e da dimensão do trabalho remunerado.”

Lei da Igualdade Salarial

O relatório de transparência salarial está previsto na Lei nº 14.611, de 3 de julho de 2023, que ficou conhecida como a Lei de Igualdade Salarial. A legislação determina que empresas com mais de 100 empregados publiquem relatórios de transparência salarial. O MTE e o Ministério das Mulheres lançaram um plano que vai auxiliar na implementação da lei e no alcance da igualdade no trabalho. Como explica Montagner.

“Nós estamos lançando um plano nacional de políticas públicas que envolvem ações de direito, do Ministério de Igualdade Racial, do Ministério dos Direitos Humanos, do Ministério das Mulheres, do Ministério do Trabalho, da Previdência, do Ministério do Desenvolvimento Econômico e Social, e, na verdade, é a soma de todas essas ações que vão gerar boas práticas e que vão gerar esta informação chegando em todo o território e chegando com credibilidade”, argumenta a funcionária.

A secretária do Ministério das Mulheres, Rosane Silva, explica que o plano está dividido em 80 ações, visando mitigar as desigualdades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho, considerando questões como responsabilidades familiares e critérios de ascensão.

“Ele [o plano] está dividido em três eixos. Um eixo de entrada das mulheres no mercado de trabalho, um segundo eixo de permanência de mulheres neste mercado e um terceiro eixo que é a ascensão profissional das mulheres, porque a gente sabe que muitas vezes as mulheres não conseguem entrar, quando elas entram, elas acabam não permanecendo porque tem um conjunto de outras situações que as mulheres vivem, como a o tema do cuidado, as responsabilidades familiares, que leva muitas vezes as mulheres ter que abrir mão do seu emprego formal para poder cumprir a função da do cuidado da família, seja das crianças, dos doentes, dos idosos, mas até mesmo o cuidado cotidiano das suas casas. E também muitas vezes as mulheres entram, permanecem, mas elas acabam não ascendendo profissionalmente”, explica Silva.

Segundo Montagner, o MTE começou a notificar as empresas que não fizeram o download do relatório para que o façam. “A gente está num processo de dar espaço e garantir para as empresas que nossa briga não é pela multa, nossa briga é pela mudança de cultura. A gente quer que todas as empresas parem, olhem para a situação dos seus trabalhadores e entendam que essa desigualdade é prejudicial. Ela não ajuda a gente a crescer e a crescer por igual para que todo mundo caminhe no mesmo passo”, finaliza.



Fonte ==> Brasil de Fato

Leia Também

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *