20 de março de 2025

Disputa envolveu crimes e sede de vingança – 24/01/2025 – Andanças na metrópole

Disputa envolveu crimes e sede de vingança - 24/01/2025 - Andanças na metrópole

Foi uma das brigas entre poderosos mais sérias da história de São Paulo. Não se lembra de outra rivalidade tão intensa. Teve componentes teatrais, assassinatos e sede de vingança. Eclodiu em 1640, ano do fim da União Ibérica, quando os portugueses retomaram o poder sobre o Brasil, e durou 20 anos. Duas famílias de bandeirantes, Pires e Camargo, se digladiaram para conquistar o comando da Câmara Municipal da cidade e o poder local.

A guerra dos Pires e Camargo começou quando Alberto Pires matou sua esposa, Leonor Camargo, e o cunhado, Antônio Pedroso de Barros. Defendeu-se com a alegação de que a morte da mulher tinha sido acidental e que as duas vítimas praticavam adultério. Foi absolvido. A família Pires não aceitou a afronta. Defendiam que a filha era virtuosa e queriam preservar sua imagem.

Outro conflito aconteceu naquele ano e foi decisivo. Fernando de Camargo, conhecido como “Tigre”, desembainhou sua espada na praça da Sé contra Pedro Taques de Oliveira, aliado dos Pires. Houve luta. Alguns falam que evoluiu para uma guerra campal. Meses depois, no mesmo local, Tigre matou Taques com um golpe pelas costas. Quem atesta esse caso é o intelectual Pedro Taques de Almeida Paes, no seu livro “Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica”, escrito 100 anos depois dos fatos.

Há notícias também de uma batalhas na fazenda de Inês Monteiro, mãe de Alberto Pires, envolvendo os exércitos de guerreiros indígenas escravizados das duas partes. Não há, porém, qualquer comprovação documental do alcance da selvageria na disputa e de que essa luta tenha acontecido.

“Alguns historiadores chamaram até de guerra civil”, afirma o historiador Fabrizio Pereira Franco, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), referindo-se ao conflito entre Pires e Camargo.

Ele concluiu uma tese de mestrado sobre o assunto chamada “Verona Paulistana: o conflito entre as famílias Pires e Camargo pelo Domínio de São Paulo Colonial”, e afirma que existiam outros motivos, tão ou mais importantes do que os casos iniciais de violência, para o surgimento da rivalidade entre os clãs.

Além do controle da Câmara Municipal, havia a questão da nacionalidade. Os Camargo tinham ascendência espanhola e os Pires, portuguesa. O terceiro motivo é que os Camargo se opunham aos jesuítas e queriam expulsá-los da cidade. Junto vinha a vontade de domínio econômico. Ambas as famílias enriqueciam com fazendas de trigo e tinham muitos interesses e negócios na cidade.

Embora tivesse seus protagonistas, a guerra atraia todos os nomes influentes de São Paulo. Tomava-se partido. Ao lado dos Pires estavam os Prado, os Taques, os Cunha, os Dias e os Leme. Já o exército político dos Camargo reunia os Bueno, os Canhamares, os Godoy e os Prado, todas famílias que posteriormente seriam chamadas de quatrocentonas.

A disputa também envolvia a Igreja. Pires e Camargo estavam alinhados com ordens terceiras diferentes. Os Pires com a Ordem Terceira do Carmo e os Camargo, com a terceira de São Francisco. “Além da sensação de pertencimento à vila, a participação nessas organizações religiosas para leigos trazia status social”, diz Franco. “E serviam como espaço de alianças de poder.”

Não existem documentos que relatem o período de conflitos entre 1640 e 1660 e não se sabe se houve outros crimes e mortes. Há fontes da Câmara Municipal com referências a um momento posterior à guerra, à etapa de pacificação. Pires e Camargo assinaram um acordo de paz e dividiram o poder na Câmara com uma esquema trienal, que duraria 100 anos até ser derrubado por outros membros da elite local.



Fonte ==> Folha SP

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