Não se pode acusar o centrão de desperdiçar oportunidades. O pacote de propostas em gestação no Congresso para proteger parlamentares de investigações variadas é um bom exemplo disso.
O arsenal legislativo em proveito próprio ganhou força na esteira do infame motim bolsonarista que interditou a Câmara dos Deputados e o Senado na semana passada. O grupo rebelado queria salvar a pele de Jair Bolsonaro (PL), prestes a ser condenado por tentativa de golpe de Estado no Supremo Tribunal Federal.
É altamente improvável que consiga tal objetivo, dado que o processo do STF está próximo da etapa decisiva. Os arruaceiros, no entanto, contam com o espírito de corpo do Parlamento para retardar, e se possível evitar, a devida punição por sua conduta truculenta e autoritária.
Já o centrão viu no imbróglio uma chance de blindar seus associados contra pressões judiciais e decidiu bancar o pacote, que também poderá contar com o apoio da direita bolsonarista e mesmo de setores da esquerda.
O interesse maior do consórcio fisiológico não é Bolsonaro, mas afastar o espectro do ministro Flávio Dino, do STF, que supervisiona investigações sobre desvios em emendas parlamentares.
Entre as propostas cogitadas, a mais saliente é a de que apurações envolvendo parlamentares só sejam iniciadas mediante autorização das respectivas Casas legislativas. Mesmo que algo assim venha a ser aprovado, é grande a probabilidade de o Supremo julgar a medida inconstitucional. Não se pode, por óbvio, criar uma casta de cidadãos que nem mesmo pode ser investigada.
O alvo principal do pacote é o foro especial, pelo qual políticos e outras autoridades não respondem penalmente na primeira instância, como a maioria das pessoas, mas em algum tribunal, que varia dependendo do cargo.
O dispositivo, embora possa parecer à primeira vista antirrepublicano, tem sua razão de ser. Ao menos em teoria, cortes colegiadas resistem melhor a pressões políticas do que juízes singulares de primeira instância. Elas teriam, portanto, maior latitude tanto para condenar poderosos quanto para inocentar réus politicamente perseguidos.
Historicamente, o desaforamento deu margem a tantos abusos que acabou se tornando sinônimo de impunidade, daí o apelido “foro privilegiado”. No último par de décadas, porém, cortes superiores se tornaram mais assertivas, por vezes ativistas, e políticos passaram a temê-las em vez de procurar sua proteção.
O simples fato de parlamentares estarem ansiosos para limitar o instituto já é uma boa razão para mantê-lo. É claro que se pode discutir seu alcance para situações específicas. O próprio Supremo já fez isso, mais de uma vez.
Entretanto parlamentares, se tiverem interesse em preservar a imagem do Legislativo, deveriam adiar a discussão e só retomá-la fora de um contexto de chantagem contra as instituições.
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Fonte ==> Folha SP