Por Thais Oliveira
A liberdade de imprensa é mais que um direito constitucional: é um pilar garantido pelo artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal, e reforçado pelo artigo 220, que veda qualquer forma de censura. No plano internacional, o princípio está consagrado no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ambos ratificados pelo Brasil, assegurando o direito de buscar, receber e difundir informações livremente.
Mais do que um enunciado jurídico, trata-se de uma barreira que separa a democracia da opacidade do poder. Quando a máquina pública se volta contra veículos e profissionais, não está em jogo apenas a reputação de um jornalista, mas o direito coletivo de toda a sociedade à informação. É este o cenário que hoje se impõe em Colinas do Tocantins.
O jornalista Ricardo Fernandes Almeida e o portal Diário Tocantinense sempre mantiveram postura editorial independente, sem conivência com irregularidades ou abusos de qualquer gestão, seja passada ou presente. O papel crítico e fiscalizador do veículo é coerente ao longo dos anos, mas o quadro se agravou nos últimos meses, diante da postura cada vez mais agressiva e autoritária da atual administração municipal.
O episódio que expôs essa tensão ocorreu com a divulgação de um vídeo gravado por Jhonatan Emanuel Rocha Sena, gerente especial de vigilância sanitária e administrador da página “Jesus Tocantinense”. Nele, o servidor acusa o jornalista de “mentir”, “perseguir o prefeito” e “praticar lixamento virtual”, usando tom irônico para questionar a doação de um terreno à empresa jornalística durante a gestão anterior. O ataque extrapola o debate público: é direcionado, ofensivo e circulou amplamente em grupos organizados na cidade.
O que os autores das acusações parecem ignorar é que os fatos são documentados e públicos. Os registros constam no Diário Oficial, em leis municipais, em escritura pública, no cadastro imobiliário oficial e, ironicamente, até na folha de pagamento do próprio servidor que as propaga.
Base legal e comprovação documental
A suposta irregularidade na doação é desmentida por um conjunto de normas e procedimentos administrativos claros. A Lei Municipal nº 1.696/2019 instituiu o Programa de Incentivo à Implantação e Fortalecimento de Empresas, prevendo expressamente a possibilidade de o município conceder doações onerosas de terrenos, isenções tributárias e outros incentivos a empresas que comprovem geração de empregos e atividade produtiva.
A partir dessa base, a Lei Municipal nº 1.761/2020, publicada em 28 de dezembro de 2020, autorizou a doação de imóveis a empresas específicas. Entre as beneficiárias, figura a empresa Eduardo Gomes dos Santos (CNPJ 29.947.210/0001-73), antes de propriedade dele como sócio e agora de Ricardo Fernandes Almeida Ltda com o mesmo CNPJ, sendo o Eduardo fora do contexto, contemplada a época com o lote urbano nº 06B, de 200 m², no setor Araguaia II — o mesmo posteriormente vinculado às operações da empresa jornalística que nunca aconteceu por inércia da gestão atual. A empresa Ricardo Fernandes Almeida Ltda contribui na cidade e paga os impostos em Colinas e tem sede nessa mesma urbe.
A escritura pública de doação, assinada no mesmo dia, detalha os encargos:
- geração de empregos diretos e indiretos;
- manutenção de pelo menos 10% do quadro com jovens de 18 a 29 anos;
- conclusão das obras em até dois anos;
- proibição de alteração da finalidade do imóvel sem autorização municipal.
O descumprimento de qualquer cláusula implica a reversão automática do bem ao patrimônio público, como reforçam o artigo 4º da escritura e os artigos 3º e 4º da Lei nº 1.761/2020.
Uso da estrutura pública contra a crítica
Documentos oficiais também confirmam que Jhonatan Emanuel Rocha Sena ocupa cargo comissionado na Prefeitura desde 5 de janeiro de 2025, com salário bruto de R$ 4,5 mil, segundo folha de pagamento de junho. Ele não é o único citado em notificação extrajudicial enviada pela defesa do jornalista e o lote não foi sequer entregue e nem a titularidade é muito menos vendeu e como poderia sem ter registro documental. Consta ainda:
- Rafaela Felipe Martins, assessora de gabinete, identificada como autora de ataques em grupos de WhatsApp;
- Valdivino Francisco da Silva Júnior, assessor de almoxarifado e administrador da página “Colinas Notícias”;
- Renato de Castro Nascimento, responsável pelo grupo “Colinas 24 horas”, de onde o jornalista foi removido após críticas.
Todos possuem vínculos com a atual gestão, nomeações por decreto e atuação direta em canais de informação locais.
Censura indireta e intolerância
As denúncias formalizadas em boletim de ocorrência e notificações alertam para o uso de aparato estatal e retórica religiosa como ferramentas de intimidação. A página “Jesus Tocantinense” se apresenta como espaço de expressão religiosa, mas serve de palco para ataques políticos.
A exclusão de grupos públicos e os insultos dirigidos ao jornalista configuram censura indireta — violação ao artigo 5º, IX, da Constituição Federal — e podem enquadrar-se nos crimes de calúnia, difamação e injúria (arts. 138 a 140 do Código Penal).
Quem fiscaliza os fiscalizadores?
Se a legislação municipal foi criada para fomentar a economia e atrair investimentos, por que o beneficiário legal dessa política passou a ser alvo de criminalização? A quem serve ressignificar uma política pública legítima em suposto escândalo?
O caso revela um ambiente de intolerância à crítica, de hostilidade ao jornalismo e de uso da fé como retórica para desqualificar adversários. Não se trata de um terreno — trata-se da preservação da liberdade de expressão e do direito de informar.
A ofensiva contra Ricardo Fernandes não é mais uma disputa política. É um indicativo de erosão institucional em que estruturas públicas são usadas para cercear a crítica e impor uma narrativa única. O Diário Tocantinense reafirma seu compromisso histórico com a transparência e o interesse público. Silenciar a imprensa é silenciar a sociedade.
Linha do tempo documental
16/12/2019 – Lei Municipal nº 1.696/2019 cria o Programa de Incentivo à Implantação e Fortalecimento de Empresas, autorizando doações onerosas de imóveis.
28/12/2020 – Lei Municipal nº 1.761/2020 autoriza a doação do lote nº 06B (200 m², setor Araguaia II) à empresa Eduardo Gomes dos Santos, publicada no Diário Oficial.
28/12/2020 – Escritura pública de doação formaliza a cessão com cláusulas de encargos e reversão em caso de descumprimento.
28/12/2020 – Cadastro imobiliário registra o lote nº 06B no nome de Eduardo Gomes dos Santos, com endereço e dados completos e hoje a empresa está em nome de Ricardo Fernandes e não de Eduardo Gomes dos Santos atualmente e tampouco recebeu o aval do prefeitura que não obteve como porque o prefeito não deliberou porém, a chefe que assinalou e a mesma da época do ex-prefeito Adriano Rabelo e hoje atua na mesma área com o prefeito Kasarin.
05/01/2025 – Nomeação de Jhonatan Emanuel Rocha Sena para cargo comissionado de gerente especial de vigilância sanitária.
Junho/2025 – Folha de pagamento confirma vínculo ativo e remuneração bruta de R$ 4,5 mil do servidor que gravou vídeo com ataques ao jornalista.