23 de abril de 2025

Egressos de serviços de acolhimento são invisíveis no país – 10/03/2025 – Papo de Responsa

A imagem mostra os pés de duas crianças sentadas em um banco de madeira. A criança à esquerda usa calças jeans rasgadas e chinelos vermelhos, enquanto a criança à direita usa shorts claros e chinelos pretos. O fundo é azul e o chão é de azulejos brancos.

A conselheira tutelar me levou até a Casa Semeia um dia após meu aniversário de 15 anos, em 8 de junho de 2010. Não me lembro de muitos detalhes, apenas que foi um dia extremamente frio.

Nasci em Diadema (SP), em 1995, e, com aproximadamente dois anos de idade, fui entregue a meus avós. Aos 13 anos, fui devolvida para minha mãe biológica, mas a convivência durou apenas dois anos. Acabei sendo expulsa de casa e, posteriormente, entregue aos cuidados do serviço de acolhimento.

Minha história é apenas uma entre aquelas de milhares de jovens que enfrentam invisibilização após saírem do serviço de acolhimento institucional. Um processo que dificulta a integração social e psicológica, impactando profundamente a formação de um ser humano.

Embora amplamente discutidos no meio acadêmico-científico, os efeitos da institucionalização são pouco considerados nos aspectos práticos da vida de quem passou por essa experiência.

A responsabilidade pela criação de um jovem egresso, do ponto de vista jurídico, deveria ser integralmente do Estado. No entanto, os direitos assegurados constitucionalmente não se efetivam na prática. A falta de políticas públicas diretamente destinadas a essa população demonstra o processo de invisibilização e a ausência de um debate que revelaria os efeitos da desigualdade social no país.

Embora o Estado tenha falhado na minha história, assim como na de muitos outros, é válido reconhecer o trabalho de quem atua no serviço de acolhimento institucional e se propõe a transformar vidas, mesmo com recursos limitados.

Esses profissionais, apesar de enfrentarem condições adversas e falta de apoio institucional, dedicam-se incansavelmente para proporcionar um ambiente seguro e acolhedor para os jovens, oferecendo não apenas suporte material, mas também emocional e psicológico.

A desvalorização do serviço social no Brasil revela muitos profissionais dispostos a dar mais do que recebem. Eles são verdadeiros heróis silenciosos que muitas vezes não recebem o reconhecimento que merecem.

A sociedade civil também ocupa um lugar crucial na transformação. Mesmo diante de todas as violências e violações enfrentadas, a educação nunca me abandonou. Com ela, me tornei advogada em direitos humanos, atualmente estudante de pós-graduação.

Entre as diversas oportunidades que a vida me apresentou, a principal porta de entrada veio por meio de uma organização da sociedade civil.

No passado, o Instituto Fazendo História não apenas me trouxe oportunidades de acesso ao mercado de trabalho, mas também proporcionou um senso de pertencimento. Trouxe o alívio de saber que minha existência não era única, que podia fazer parte de um círculo de jovens com trajetórias similares a minha, onde me permiti sentir afeto novamente.

Juntamente com o Movimento Nacional Pró Convivência Familiar e Comunitária, participei do 1º Seminário Juventude em Movimento, uma experiência que impactou minha trajetória de maneira extremamente positiva.

Poder dividir o mesmo espaço com jovens de todo o Brasil que vivenciam ou vivenciaram o serviço de acolhimento despertou a necessidade de uma organização coletiva, que deu origem ao Juventude em Movimento.

Essa organização, em processo de estruturação, tem como principal objetivo desvelar as vidas dos egressos, suas necessidades e, principalmente, suas capacidades de contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária.

Convidamos a sociedade a olhar para essas vidas que continuam sendo impactadas pelo abandono familiar e estatal, deixadas à própria sorte. São pessoas que, como quaisquer outras, são feitas de sonhos e merecem contar com uma rede de apoio adequada e eficiente para realizá-los.



Fonte ==> Folha SP

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