VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)
Diferentemente de muitos adultos, acostumados a ignorar violências cotidianas, os jovens exigiram protesto. Exigiram coerência com o currículo escolar, que ensina que a escravização não é passado —ela se atualiza em práticas e olhares como o daquele segurança em bairro nobre de São Paulo.
O shopping, símbolo urbano de consumo, reflete essa lógica excludente. Crianças e jovens negros aprendem desde cedo que podem ser vigiados, abordados e até levados a salas de segurança apenas por ocuparem determinados espaços. A pergunta “Eles estão te incomodando?” traduz um racismo que supõe que corpos negros representam ameaça aos brancos.
O racismo impede a participação dos negros nas mais diversas manifestações da vida social, interditando a circulação de saberes fundamentais para a transformação da sociedade e negando o exercício pleno da democracia.
A pergunta “Eles estão te incomodando?” não pode ser normalizada. Quem, de fato, está incomodando é a branquitude, que não recua de suas condições de privilégio, segregando e mantendo subalternizada grande parte da população.
Vale lembrar que atitudes discriminatórias e racistas dentro desse mesmo shopping Pátio Higienópolis não começaram agora. Em 2022, familiares de três jovens negros, alunos do Colégio Equipe, denunciaram uma das lojas após os meninos serem perseguidos por seguranças. Uma pesquisa rápida na internet permite identificar outras histórias semelhantes.
Desta vez, o caso, ocorrido em 16 de abril, envolveu duas crianças negras do Equipe —uma delas participante de um programa da instituição, iniciado em 2022, e desenvolvido em parceria com o Movimento de Moradia na Luta por Justiça (MMLJ). A iniciativa promove a convivência entre diferentes realidades sociorraciais por meio da troca de saberes, cultura e arte, construindo práticas antirracistas.
Vale registrar que o MMLJ, no qual predomina a presença de negros e negras, é constantemente criminalizado pela sociedade, pelas forças policiais e, não raramente, até mesmo pelo Poder Judiciário.
Diferentes escolas privadas paulistanas, motivadas por coletivos de famílias, têm desenvolvido programas com a ampliação da participação de estudantes negros por meio de bolsas integrais de estudo, da presença de educadores negros e da revisão do currículo escolar. Iniciativas dessa natureza são um exercício democrático essencial, oferecendo caminhos para a construção de uma educação de fato antirracista.
Uma semana após este novo episódio, um ato no próprio shopping reuniu estudantes negros e brancos em solidariedade e protesto. Foi uma lição: as novas gerações podem cultivar sensibilidade e lutar por direitos, recusando a naturalização da violência.
Como educadores, precisamos refletir sobre a relação entre infância e democracia. Se queremos uma sociedade mais justa, essas questões devem ser centrais na educação.
Silvio Hotimsky
Colégio Equipe
Marcos Barreto
Instituto Equipe Educação, Cultura e Cidadania
Iza Cortada
Equipreta
Evie Santiago
Comissão Antirracista do Equipe)
Neti Araujo
Movimento de Moradia na Luta por Justiça
Carmen Silva
Movimento Sem-Teto do Centro
Antonia Nascimento
Frente de Luta por Moradia
Viviane Silva dos Reis
União das Lutas de Cortiço e Moradia
TENDÊNCIAS / DEBATES
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Fonte ==> Folha SP