O Senado dá início, nesta terça-feira (20), ao debate de uma proposta decisiva para meio ambiente: o projeto de lei (PL) 2.159, que altera as regras para o licenciamento ambiental de empreendimentos causadores de impactos, como hidrelétricas, estradas e barragens de rejeitos. O texto já foi aprovado pela Câmara dos Deputados.
Apelidado de “PL da devastação” e “mãe de todas as boiadas”, o projeto faz parte do pacote da destruição, um conjunto de mais de 20 propostas contrárias à proteção ambiental, apresentado pela bancada ruralista. Se aprovado, o PL 2.159 permitirá que algumas empresas mensurem, elas mesmas, os impactos ambientais resultantes das suas atividades.
De acordo com a proposta, a licença ambiental poderá ser dispensada por informação apresentada pelo empreendedor de pequeno e médio porte, com potencial poluidor também considerado “pequeno e médio”.
O licenciamento ambiental é um mecanismo pelo qual órgãos municipais, estaduais e federais avaliam o potencial de devastação de um empreendimento ou atividade. Grandes obras de mineração, por exemplo, são submetidas ao crivo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), para que tenham ou não continuidade, a depender dos danos causados ao ambiente.
Se aprovado, o PL da devastação delega às empresas responsáveis por algumas categorias de empreendimentos a responsabilidade por essa avaliação. Assim, uma empresa poderá preencher um documento autodeclaratório informando se a duplicação de uma estrada próxima a uma Unidade de Conservação (UC) irá ou não afetar matas protegidas. Para algumas modalidades de pecuária e agricultura, fica dispensada da apresentação da licença, o que pode acelerar o desmatamento vinculado a essas atividades.
“A grande maioria dos processos passará a ocorrer na modalidade por adesão e compromisso. Um simples apertar de botão pelo empreendedor gerará uma licença”, explica Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, maior rede de organizações ambientalistas do país, em nota técnica emitida na última sexta-feira (16).
A nota ressalta que o projeto “não apenas ameaça intensificar a poluição, o desmatamento, as emissões de gases de efeito estufa e a perda de biodiversidade, mas também as desigualdades sociais”. Ribeirinhos, indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais que historicamente já sofrem com a exploração dos seus territórios ficarão ainda mais expostas a essas ameaças.
Isso porque o texto a ser votado no Senado restringe a participação das autoridades que respondem pela proteção dos direitos dessas populações aos casos em que os seus territórios estiverem formalmente homologados ou titulados.
Além disso, a proposta estabelece que a manifestação das autoridades vinculadas à proteção desses povos e territórios, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), não terá interferência efetiva no resultado do licenciamento. “Nesse quadro, pode-se afirmar que a proposta institucionaliza o racismo ambiental”, destaca a nota do observatório.
“Ao escancarar brechas e enfraquecer os mecanismos de fiscalização, monitoramento e avaliação de impactos, o texto compromete gravemente a capacidade do Estado de proteger ecossistemas e populações vulneráveis diante de empreendimentos econômicos com impactos socioambientais!”, diz a advogada do Instituto Socioambiental (ISA) Alice Dandara de Assis Correia, em nota.
“A pressão pela aprovação do PL do Licenciamento escancara o negacionismo científico e climático de parte do setor agropecuário. Ignorar a necessidade de identificar e mitigar os impactos de atividades potencialmente poluidoras e perigosas é condenar a sociedade brasileira a conviver com desastres sem qualquer medida de prevenção ou controle”, afirma Ana Carolina Crisostomo, especialista em conservação e incidência política do WWF Brasil.
Na manhã desta terça-feira, a Comissão de Meio Ambiente (CMA) reúne-se para deliberar a matéria. Na Comissão de Agricultura (CRA), que analisa relatório semelhante, o debate ocorre às 14h. A votação está marcada para a quarta-feira, às 13h40.
De proposta de preservação a projeto de desmonte
A primeira versão do projeto, o PL 3729, foi apresentada no Congresso em 2004 pelo então deputado federal Luciano Zica (PT-SP), com o objetivo de criar uma lei sobre o sistema de licenciamento ambiental no país, para garantir a preservação ambiental.
O texto original estabelecia que “a implantação, ampliação e operação de empreendimento potencialmente causador de degradação do meio ambiente depende de prévio licenciamento pelo órgão competente integrante do Sisnama[Sistema Nacional do Meio Ambiente], sem prejuízo de outras exigências legais”.
Depois de tramitar por quase duas décadas, em 2021 o texto passou por alterações propostas pelo deputado bolsonarista Neri Geller (PP-MT), passando de projeto com caráter de preservação para uma proposta de desmonte da proteção ambiental.
O último parecer, dos relatores das comissões de Agricultura, senadora Tereza Cristina (PP-MS), e Meio Ambiente, senador Confúcio Moura (MDB-RO), foi apresentado em 7 de maio, com poucas alterações feitas à proposta de Geller.
Fonte ==> Brasil de Fato