Encontro com Walter Salles e Marcelo Rubens Paiva em Paris – 05/06/2025 – Praça do Leitor

A imagem mostra duas pessoas em um palco durante uma cerimônia de premiação. À esquerda, uma pessoa está segurando um troféu, enquanto à direita, outra pessoa, que está em uma cadeira de rodas, fala ao microfone. O fundo é decorado com elementos gráficos relacionados ao evento.

Ernest Hemingway escreveu que Paris é uma festa. Na capital francesa, onde mais de 12 mil cafés se espalham pelos vinte “arrondissements”, as coincidências podem ser tão grandes quanto a chance de se perder nas ruelas de Montmartre.

Neste mar de bares e bistrôs, qual seria a probabilidade de, por acaso, encontrar dois dos maiores nomes da literatura e do cinema brasileiro no café logo abaixo de casa? E juntos. Pois foi exatamente isso que aconteceu comigo na última semana de março.

Ao voltar de bicicleta para casa, deparei-me com ninguém menos que Walter Salles e Marcelo Paiva, em uma animada confraternização no Café de Fleurus, na porta do pequeno prédio em que moro.

“Por que estavam ali?”, perguntei-me. A coincidência ficou ainda mais intrigante quando me lembrei de que, além de ser o único brasileiro vivendo nesta rua, o encontro ocorreu poucos dias após eu publicar minha primeira crônica em francês na imprensa europeia –no jornal suíço Le Temps. O texto, lançado às vésperas do Carnaval (e do Oscar), falava justamente do filme “Ainda Estou Aqui”.

Não hesitei e desci. Aproximei-me do balcão, ao lado de onde estavam. O proprietário do café, Pierre-Alexandre, parecia entender por que eu estava ali e rapidamente fez as apresentações. Conversamos. Foi um dos encontros mais incríveis da minha vida, exatamente por ser tão inesperado.

Na conversa, além de parabenizá-los pela conquista histórica, mencionei meu texto. Ele tratava da feliz coincidência entre a “festa do esquecimento” – o Carnaval, onde se fantasiar é uma forma de esquecer-se– e a noite de Oscar que reconciliou o Brasil com sua memória.

Walter, Marcelo e Fernanda são mais do que inspiração para o novo cinema brasileiro. Eles representam estímulo para jovens que escrevem, realizam, atuam e criam em qualquer lugar do mundo. Assim como tantos outros, que aos 30 e poucos anos decidem se reinventar convencidos de que apenas a arte pode salvar o mundo, recentemente deixei meu cargo em uma organização internacional em Paris para seguir o sonho de me tornar escritor.

Em Paris, o café substitui a praia. É o espaço mais democrático da cidade, onde pessoas de todas as origens, condições sociais e posições políticas se encontram. Pela manhã, operários se reúnem; ao meio-dia, engravatados que trabalham no Senado tomam seu café; à tarde, escritores e artistas se encontram; e, à noite, vizinhos descem para um copo de vinho e se misturam aos jovens estudantes da Sorbonne ou da Panthéon-Assas.

O Café de Fleurus, onde encontrei Walter e Marcelo, conserva seu ar “d’antan” e seu charme despretensioso, com arquitetura dos anos 1950 que poderia ser assinada por Niemeyer ou Le Corbusier. Curiosamente, o prédio que abriga o café foi palco de concertos clandestinos organizados por Bob Dylan nos anos 1970, época em que a cantora americana Joan Baez, sua companheira, residia ali. Nesta mesma rua, não muito longe dali, viveram Gertrude Stein e o escritor Henry Miller, autor de “Trópico de Câncer”. Este foi, aliás, um dos livros que me inspirou a seguir a carreira de escritor.

Gosto de dizer que os lugares também têm espírito –l’esprit des lieux, o espírito dos lugares, como se lê num muro de uma viela no Marais. Eles se constroem pelas pessoas que os frequentam, com seus sonhos, histórias e, sobretudo, pelas coincidências que transformam a vida na arte do encontro, onde quer que estejamos.


Gabriel Petrus é escritor, baseado em Paris, e diretor global da Câmara de Comércio Internacional em Paris (ICC) entre 2019 e 2024. É professor de Direito Internacional na Universidade de Paris, de Relações Internacionais na Sciences Po e de Regulação da Inteligência Artificial na Paris-Panthéon-Assas.

O blog Praça do Leitor é espaço colaborativo em que leitores do jornal podem publicar suas próprias produções. Para submeter materiais, envie uma mensagem para leitor@grupofolha.com.br



Fonte ==> Folha SP

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