27 de junho de 2025

Está decidido: STF define que plataformas devem ser responsabilizadas por conteúdos de usuários

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta quinta-feira (26) o julgamento sobre a responsabilidade civil das plataformas de tecnologia sobre conteúdos postados por seus usuários. Por 9 votos a 3, os ministros decidiram pela inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965). Dessa forma, as empresas poderão ser responsabilizadas por conteúdos de usuários, independente de decisão judicial específica.

Na proclamação do resultado, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, descartou que a Corte esteja invadindo competências do Legislativo. “O tribunal não está legislando. O tribunal está decidindo sobre dois casos concretos que se puseram perante ele e estamos definindo critérios que vão prevalecer até o momento que o poder Legislativo, se e quando entender por bem, vier a prover acerca dessa matéria”, disse o magistrado.

O artigo 19 do Marco Civil da Internet estabelece os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, com as previsões de responsabilização civil das plataformas apenas mediante ordem judicial específica. Segundo o texto da lei, a regra tem o “intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”.

No acórdão, os ministros afirmam que “há um estado de omissão que decorre do fato de que a regra geral do artigo 19 não confere proteção suficiente a bens jurídicos constitucionais de alta relevância, proteção de direitos fundamentais e da democracia”. Dessa forma, passa a considerar ser de responsabilidade das empresas a criação de mecanismos para remover das plataformas conteúdos que ensejam crimes, sem a necessidade de uma ordem judicial.

Na decisão, os magistrados mantiveram a aplicação do artigo 19 sobre os chamados crimes de honra, ou seja, calúnia, injúria e difamação, que seguem necessitando ordem judicial para a suspensão do conteúdo. 

O pesquisador bolsista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e integrante da organização Direito à Comunicação e Democracia (DiraCom), Alexandre Arns Gonzalez, explica que a exceção apontada pelos ministros busca preservar a intenção do legislador ao conceber a norma. 

“A ideia de resguardar esse tipo de crime dentro do dentro do método de responsabilização previsto no artigo 19 é uma forma de manter o espírito de salvaguarda que o artigo 19 carregava naquele momento, que era justamente para proteger jornalistas e comunicadores de perseguição e censura”, avalia.

A tese também define o dever de cuidado dos provedores em relação a conteúdos ilícitos graves, como crimes contra a democracia e pornografia infantil, e estabelece presunções de responsabilidade para anúncios pagos ou redes artificiais de distribuição. Além disso, impõe deveres adicionais de autorregulação, transparência e representação no Brasil para as plataformas, com o objetivo de equilibrar a liberdade de expressão com a prevenção de abusos.

Um dos efeitos previstos da nova interpretação do artigo 19 da lei deverá ser a adoção de mecanismos, por parte das empresas, para notificar a remoção de conteúdos irregulares, assim como fazem hoje em relação à proteção de direitos autorais, no âmbito da propriedade intelectual. 

Quais crimes devem ser monitorados

No acórdão, resultado do julgamento que finalizou nesta quinta, os ministros listam uma série de crimes considerados “ilícitos graves” e que implicam um dever de cuidado por parte dos provedores de aplicações de internet. São eles:

  • Condutas e atos antidemocráticos que se encaixam nos tipos penais previstos no Código Penal;
  • Crimes de terrorismo ou preparatórios de terrorismo tipificados pela Lei nº 13.260/2016.
  • Crimes de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação nos termos do artigo 122 do Código Penal;
  • Incitação à discriminação em razão de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou identidade de gênero, incluindo condutas homofóbicas e transfóbicas.
  • Crimes praticados contra a mulher em razão da condição do sexo feminino, inclusive conteúdos que propagam ódio às mulheres;
  • Crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes;
  • Tráfico de pessoas.

Como se posicionaram os ministros?

Antes da sessão desta quinta, mesmo antes da apresentação do voto de Nunes Marques, os ministros se reuniram para modular a tese que seria adotada no acórdão final. Durante o julgamento, três linhas de argumentação foram apresentadas. 

  • O relator de uma das ações, ministro Dias Tóffoli, foi seguido por Alexandre de Moraes, favorável à declaração de inconstitucionalidade total do artigo 19, inclusive para crimes de honra. 
  • O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, abriu divergência para preservar a aplicação do artigo 19 apenas para crimes de honra, sendo seguido pelos ministros Luiz Fux, Flávio Dino, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Cristiano Zanin. 
  • Já os ministros André Mendonça, Edson Fachin e Nunes Marques votaram pela constitucionalidade do artigo 19, defendendo que a lei seja aplicada da forma como ocorre desde 2014. 

E o Congresso com isso?

A necessidade de uma regulação estrutural e sistêmica sobre as plataformas digitais no Brasil ainda segue sendo uma demanda do Congresso Nacional. Na Câmara dos Deputados, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) coordenou um grupo de trabalho para discutir o Projeto de Lei 2630/20, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O PL segue parado no Legislativo desde maio de 2023. A ideia é criar regras que ajudem a combater a disseminação de conteúdo falso nas redes sociais.

Para o parlamentar, o Congresso ainda terá desafio de enfrentar a matéria, “agora, à luz da interpretação que o STF trouxe sobre a constitucionalidade do art.19”.  “A regulação das plataformas digitais é um tema global, debatido nas maiores democracias do planeta. Continuará sendo debatido aqui no Brasil e, em algum momento, terá que ser enfrentado e votado pelo parlamento, afinal, nenhum segmento econômico, ainda mais com tamanho impacto na sociedade, pode estar imune a regramentos básicos de seus serviços”, avalia.

O deputado rejeita a crítica de setores do parlamento brasileiro sobre um suposto ativismo do Judiciário, e aponta omissão do Congresso. “A Corte apenas está cumprindo seu dever constitucional. Afinal, foi provocado através de recursos extraordinários sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet há bastante tempo. Se ao Legislativo é possível a omissão, o Judiciário, se provocado, tem o dever de julgar a controvérsia. Então, não há o que reclamar”, disse Silva ao Brasil de Fato.

O que diz o PL?

Segundo o texto que tramita na Câmara, os provedores de redes sociais e de serviços de mensagens deverão criar mecanismos para proibir contas falsas, exceto em caso de conteúdo humorístico ou paródia, e também aquelas contas automatizadas, geridas por robôs. O PL ainda determina que as plataformas limitem o número de envios de uma mesma mensagem a usuários e grupos e o número de membros por grupo. 

O projeto define que os usuários deverão ser notificados em caso de denúncia ou de aplicação de medida por conta da lei e estabelece que todos os conteúdos pagos nas redes deverão ser publicizados, com a devida identificação da conta responsável pelos impulsionamentos. 

A proposta determina ainda que o Congresso Nacional institua, em até 60 dias após a publicação da lei, o Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, composto por 21 conselheiros, incluindo representantes do poder público, da sociedade civil, da academia e do setor privado.

Ainda de acordo com o texto, os provedores de redes sociais e de serviços de mensagem privada deverão ter sede e nomear representantes legais no Brasil, e deverão produzir e divulgar relatórios trimestrais de transparência, informando as medidas tomadas para cumprimento da lei.

Finalmente, o projeto estabelece uma multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil em caso de descumprimento da lei, recursos que seriam destinados ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) para serem investidos em ações de educação e alfabetização digitais.



Fonte ==> Brasil de Fato

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