Para quem trabalha no mercado financeiro, os últimos dois anos foram menos animados do que tinham sido os três anteriores – quando, na esteira da pandemia de coronavírus, os juros básicos da economia chegaram aos 2% ao ano. Com a taxa Selic de volta aos dois dígitos a partir de 2022, o apetite pelo risco diminuiu e conseguir retorno na renda variável ficou mais difícil.
Mas, para Thiago Maffra, CEO da XP Inc. (XPBR31), esse não é um argumento possível quando se discutem o crescimento e os resultados da empresa. “Atravessamos um vale extremamente difícil para o nosso negócio de investimentos. Crescemos menos do que em 2019, 2020 e 2021 – mas crescemos”, diz. “Como isso foi possível? Com as alavancas que a gente controla: novos produtos, novas verticais, novos canais”.
No último sábado (7), durante o B2B Xperience, evento que reuniu 650 representantes da rede de assessorias de investimento ligadas à XP, Maffra disse que vê melhora no mercado, como atestam a volta da captação pelos fundos, a demanda em ofertas de renda fixa de prazo maior e novas operações com fundos imobiliários. Mas defende que o crescimento da empresa não depende do cenário fiscal ou macroeconômico.
“O mercado colocou um peso muito maior no macro, no nível de taxa de juros, do que é a nossa realidade”, diz. “Nunca colocamos ‘melhora de mercado’ no guidance. Estamos on track e vamos entregar. E se vier uma melhora, não vamos crescer 16% – vamos crescer 25%, 30%”.
Durante a entrevista, Maffra detalhou a estratégia de diversificação das linhas de negócios e canais de distribuição da companhia, a “onda de vantagem competitiva” em que a XP aposta e sua visão sobre o atual momento da economia brasileira. Confira os principais trechos:
- Diversificar negócios para ‘disruptar’ logo
- As três ondas de vantagem competitiva
- Novas verticais e banco de atacado
- Acelerar em investimentos, novos produtos e atacado
- Mercado melhorou: “O mais difícil está para trás”
- Preço da ação: “Juro alto não é bola de ferro”
- Ruído fiscal, incerteza e desancoragem dos ativos
Diversificar negócios para ‘disruptar’ logo
“Quando assumi a empresa, há três anos e meio, tinha a missão de diversificá-la, seja em linhas de negócio, seja em canais de distribuição. A empresa era quase monocanal, com uma atuação mais passiva, em que atendíamos quem abria conta, mas não tínhamos um time de hunting. É perigoso depender de um único canal – que era nossa rede de assessorias.
Intencionalmente, começamos a diversificar, para trazer mais resiliência e segurança, mas principalmente porque 80% do dinheiro ainda está dentro de cinco grandes bancos. Temos uma oportunidade única de ‘disruptar’ os bancos em investimentos, de desconcentrar, e a gente precisa acelerar múltiplos canais para fazer isso mais rapidamente.
Hoje temos três grandes canais: o B2B, que são as assessorias de investimentos; o B2C, que são nossos assessores internos; e o que chamamos de WS, que soma gestoras e consultores de investimentos. É uma rede de 17,7 mil assessores.
“Não é um versus o outro. Queremos crescer em todos esses canais, porque eles atingem públicos diferentes, de formas diferentes”
Se olhar nosso balanço, colocamos quase R$ 5 bilhões de investimento na rede B2B, nosso compromisso com o crescimento desse canal é enorme.”
As três ondas de vantagem competitiva
“Vivemos três ondas de vantagem competitiva: produto, distribuição e qualidade, ou excelência em serviço. Lá atrás, a oferta de produtos melhores, através da nossa rede de distribuição, que é a maior e mais bem treinada, era suficiente. Hoje, não.
É preciso estar muito mais focado em entregar um serviço de assessoria e planejamento financeiro. Os bancos melhoraram, mas continuam vendendo produto – o CDB, a LCA, a LCI – porque o negócio dos bancos é crédito, e eles precisam captar recurso para isso. A gente é diferente.
O cliente não está preocupado em ganhar CDI mais 1% ou 2%. Ele quer um serviço que o ajude a alcançar seus objetivos.
“A mentalidade é não ser uma empresa que vende produtos de investimento, e, sim, que oferece um serviço de planejamento financeiro. Parece sutil, óbvio, mas ninguém faz, exceto a gente”
Hoje temos 11,8% de market share em investimentos. Como a gente domina esse mercado? Somos a única empresa forte, relevante, 100% focado em investimentos. Se somos os melhores, devemos ser os maiores – é uma questão de tempo.”
Novas verticais e banco de atacado
“Entendemos, alguns anos atrás, que temos metade do share of wallet dos nossos clientes, ou seja, um cliente que possui R$ 1 milhão investe, na média, R$ 500 mil na XP e o resto em outro lugar. Por quê? Porque precisa de outros serviços. Se mantém uma parte do patrimônio no banco A, ele consegue uma taxa melhor no crédito imobiliário, é isento de tarifa no cartão de crédito. É uma falsa percepção de benefícios, que acaba saindo mais caro do que ele enxerga.
Para termos a centralidade do cliente na XP, precisamos ser capazes de atender a vida financeira desse cliente de forma completa. Então criamos conta, cartão, crédito, seguros. Nosso foco é sempre o cliente investidor, e não o mar aberto.
Outra conversa é o banco de atacado, que atende empresas. Três anos atrás, a gente tinha um super investment bank, mas parava por aí. Começamos a construir segmentos de corporate, de middle, a fazer derivativos.
Começamos pelo que somos bons – e obviamente não é dar crédito barato para uma Vale ou Petrobras. Não somos competitivos contra os bancos aí. Mas somos em trading, porque temos um fluxo grande de pessoa física. Temos books proprietários, tesouraria, tecnologia e capability para fazer derivativos ou câmbio de diversas formas. Conseguimos dar um atendimento diferenciado de middle para cima.
“É a mesma jornada que fizemos na pessoa física, de começar pelos clientes de alta renda que eram meio ‘largados’, com péssimo atendimento nos bancos, sem acesso a produtos de investimento”
Não focamos na pequena empresa, no MEI, porque o cliente que não tem poupança é tomador de crédito, e essa não é nossa expertise.”
Acelerar em investimentos, novos produtos e atacado
“Nominalmente, o avanço na área de investimentos é muito maior pela base que já temos. Mas, em CAGR [taxa de crescimento anual], a receita com investimentos cresce algo como 15% ao ano, enquanto nas outras duas verticais avança 30% a 40% nos próximos três anos. É acelerado, porque são áreas menos maduras. A penetração de cartões na nossa base é de 20% – tem mais 80% ainda. Em seguros, é 1,5%. Em crédito, 1%. A oportunidade é enorme.”
Mercado melhorou: “O mais difícil está para trás”
“Temos visto uma melhora no mercado. O momento mais difícil está para trás. E vários indicadores mostram isso: a captação de fundos voltando, a demanda em ofertas de renda fixa de prazo maior, as ofertas de fundos imobiliários…
Os clientes estão voltando a ter apetite por investir, saindo dos produtos bancários. É o que traz confiança de que os números do quarto trimestre de 2023 e primeiro de 2024 foram o piso.
Não controlamos o preço da ação, mas o que temos feito é realmente focar em, no longo prazo, entregar crescimento de receita e lucro, controle de custo e qualidade para os clientes. Vejo hoje uma empresa muito mais saudável e preparada do que há três anos.
“Atravessamos um vale extremamente difícil para o nosso negócio de investimentos. Crescemos menos do que em 2019, 2020 e 2021 – mas crescemos. Como isso foi possível? Com as alavancas que a gente controla: novos produtos, novas verticais, novos canais”
Ao longo dos últimos anos geramos alfa e construímos caminhos para colocar a empresa em ritmo acelerado num futuro próximo. Estamos confiantes de que em 2024 voltamos a entregar crescimento e captação maiores.”
Preço da ação: “Juro alto não é bola de ferro”
“O mercado colocou um peso muito maior no macro, no nível de taxa de juros, do que é a nossa realidade. O grande erro de percepção – e o preço da nossa ação reflete isso – é o mercado achar que juros altos e cenário fiscal difícil são uma bola de ferro no nosso pé, que nos impede de gerar alfa. É aqui que a gente discorda.
Só que a única forma de mostrar isso é entregando – o que a gente espera fazer em 2024. Temos muito mais alavancas sob nosso controle do que o preço da ação reflete.
Nosso plano de três anos tem zero fatores macro. Nunca colocamos ‘melhora de mercado’ no guidance. Estamos on track e vamos entregar. Se vier uma melhora de mercado, aí não vamos crescer 16% – vamos crescer 25%, 30%.”
Ruído fiscal, incerteza e desancoragem dos ativos
“O Brasil tem uma situação fiscal longe de um cenário confortável, mas longe também de um desastre. Dentro da nossa realidade, estamos sob controle. Só que o fato de não haver uma sinalização clara – pelas falas com tom mais político, dando a entender que as regras fiscais talvez mudassem – gerou ruído e um grau de incerteza grande no mercado financeiro, e os preços desencoraram um pouco.
Tem muito prêmio nos preços dos ativos. Chegamos a ter 100 basis-points de aumento nos juros esse ano. Quatro meses atrás a gente estava falando de corte, e agora a gente fala de alta. Já está na curva.
Esse prêmio vai voltar inteiro? Provavelmente, não. Nos últimos dias, depois das falas do ministro Fernando Haddad e do presidente Lula sinalizando compromisso com as regras fiscais, os prêmios diminuíram – mas dado todo o ruído, vai demorar um pouco para serem 100% eliminados.
“O Brasil sempre flerta com o precipício, mas nunca pula, como alguns vizinhos fazem com frequência. Na hora H, damos um passo atrás. E já demos essa sinalização”